domingo, 16 de dezembro de 2007

Canudos - O Socialismo Natural

A Comuna de Paris nasceu de um movimento espontâneo de massas, e conduziu pela primeira vez a classe operária ao poder, mesmo que no âmbito de apenas uma cidade e pelo período de alguns meses. Alguns estudiosos até mesmo afirmaram que foi a única experiência puramente socialista da história.
Ora, por que não afirmar que o Arraial de Canudos foi também uma experiência socialista? Este nasceu também de um movimento espontâneo de massas - massas sertanejas exploradas pelo sistema coronelista que dominava o nordeste. Ao contrário do que se afirmava na época, não podemos considerar Conselheiro e seus seguidores monarquistas. Eles foram levados sertão adentro, embalados por fervor religioso, não por serem anti-republicanos; mas por estarem fartos da desigualdade, exploração e miséria em que viviam, a ponto de se aventurar atrás de um líder religioso numa busca por uma vida mais digna.
Todos que chegavam a Belo Monte deixavam com Conselheiro tudo quanto possuíam, em troca de condições de moradia e cultivo da terra para uma sobrevivência com um mínimo de dignidade. Apesar da extrema pobreza, todas as famílias tinham casa; e eram realizadas obras para a comunidade, como a nova igreja que se planejava construir, e cujo caso das madeiras compradas em Juazeiro foi o estopim da guerra.
O socialismo que existiu em Canudos não foi inspirado em Marx, nem baseado em partidoa operários. Nasceu espotaneamente, confirmando que é um caminho natural procurar alternativas para o modelo de desigualdade presente em quase todo o mundo, em que poucos têm muito e muitos não têm quase nada.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Carta ao presidente

Em suas numerosas viagens por todo o mundo, para as câmaras e políticos das mais diversas nacionalidades, nosso presidente repete o mesmo discurso de que precisamos tomar medidas para frear o aquecimento global, e propõe como solução milagrosa a todo o mundo a utlização do etanol em substituição do petróleo. Mas desconfio que ele esteja muito mais interessado em vender nosso produto e tecnologia do que em procurar saídas para o aquecimento global, porque esse problema é bem maior do que seus olhos parecem ver. Ele afirma que a produção de cana não agrava a o problema da fome, pois este está ligado não à escassez de alimentos, mas à falta de dinheiro para comprá-los, e está certo, mas será, senhor presidente, que o senhor não percebe que com menos terras produzindo alimentos eles terão que vir de longe, encarecendo e impossibilitando às pessoas mais humildes o acesso a ele? E, senhor presidente, se o senhor está tão preocupado com o aquecimento global o senhor deve estar ciente de que as grandes vilãs de liberação de gás carbônico na atmosfera brasileira são as queimadas, não? E que na cultura da cana se usa largamente as queimadas, certo? E também que a Amazônia queima dia a dia, diminuindo e se desrtificando, não?
Será, senhor presidente, que o senhor está mesmo interessado no meio ambiente ou só quer vender o nosso peixe (que mudou do nome de álcool dos tempos da ditadura para o etanol do séc. XXI ) , para benefício da balança comercial e dos ricos usineiros e industriais do ramo que verão seus negócios prosperarem ainda mais, em detrimento dos trabalhadores que vivem em condições deploráveis, não raras vezes morrendo de exaustão para colher o "ouro verde", e da população que mora nas áreas que foram invadidas pela cana, que se sentem, dia a dia, vivendo numa terra de chamas e cinzas.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Será que eu desaprendi a contar???????

As declarações dos senadores ou de suas assessorias sobre a natureza de seus votos na sessão de ontem deixaram claro que as sessão com votação secreta não podem continuar. O senador foi absolvido ontem por 40 votos a 35, e houveram 6 abstenções, mas em suas declarações hoje, 46 senadores afirmaram terem votado pela cassação...
É óbvio que a votação secreta protegeu aqueles que queriam proteger Renan... mas que não têm coragem de declarar a público que o fizeram. E fica a dúvida, quem estará mentindo?
Os Democratas, em reunião hoje, preparam a proposta de que todas as votações de cassação de mandato passem a ser abertas, e esperam conseguir votá-la , em regime de emergência, daqui a cerca de duas semanas. Que eles consigam.

Vomitar essa pizza sobre a cidade. E eles que aguentem o cheiro.

Doze de setembro de 2007 ficará marcado na história brasileira pela impunidade, mas os dias que se seguem podem ser marcados pela reação popular. Renan Calheiros foi absolvido, mas ainda correm dois processos sobre outras malandragens de nosso honrado senador , e para que por essas ele seja punido, não podemos ficar passivos agora frente à pizza que nos enfiam guela abaixo. Nosso descontentamento e indiganação com a vergonhosa sessão tem que chegar até os ouvidos dos senadores que decidem por nós, a ponto de eles não poderem mais ignorar-nos e decidirem pela cassação de Renan nas próximas sessões. E temos de aprender com episódios como esse a pensar bem antes de votar, para não mais colocar no poder políticos como aqueles que absolveram Renan.
Vamos fazer nossa voz ser ouvida!
Não podemos mais nos enquadrar na imagem de povo alienado, burro e omisso, que conformado janta pizza diariamente e mal sabe que pizza é essa.

*obs.: o título é inspirado num verso de A Flor e a Náusea, de Drummond ("... vomitar esse tédio sobre a cidade")

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Habemos Pizza !

Pois sim, preparem os pratos, que hoje na casa de cada brasileiro chegará completamente de graça uma pizza diretamente de Brasília. Renan Calheiros foi absolvido em votação no plenário por 40 votos a 35. Houveram 6 abstenções. Depois de muita palhaçada, com direito a pancadaria entre deputados e seguranças e uma deputada ferida, a sessão começou, e de última hora foi aceita a presença de parlamentares. Protegidos pelo voto secreto, resquícios de legislação da época da ditadura, os deputados não se importaram em honrar os interesses do povo que representam.
Renan foi absolvido. A impunidade está a dar risadas na nossa cara. Disse Chico Alencar, líder do PSOL na câmara esta manhã:"... o 12 de setembro, no Brasil, simbolicamente, pode representar um atentado terrorista e um golpe à nossa aspiração de construir minimamente uma democracia no país”. Pois é, parece que suas previsões estavam corretas.
Renan Calheiros ainda reponde duas denúncias: a de fazer negócios não muito corretos com a Schincariol e a de teruma rádio e um jornal em nome de laranjas em Alagoas. Ainda não pode respirar aliviado. Mas se ele já venceu a primeira, quem nos garante que justiça será feita nas próximas?
Parabéns esfomeados brasileiros, contentem-se! A noite é de pizza gratuita!

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Beatles, morangos e fones de ouvido

Ele fechou os olhos e perdeu então a imagem da mesa cheia de garrafas e pratos vazios e de bolinhas de guardanapo espalhadas; o cenário da recente guerrinha de comida. Pegou sua garrafa de coca e virou o restinho num gole. Era sempre assim depois que todos iam embora: o que ficava com ele era um tipo de devastação parecido com o da mesa da lanchonete. Arrumou os fones de ouvido e aumentou o volume (que bom era sair da Beyoncé que tocava no lugar pra ouvir Beatles!). Recostou-se na cadeira e fechou os olhos, sentindo cada frase. "Living is easy with eyes closed..." Abriu os olhos. Alguém devia ter vindo limpar a mesa enquanto ele não olhava. Pensou que poderia ser como nos filmes em que a garçonete gostosa vem limpar a mesa e dá o maior mole. Virou-se na cadeira para procurar a tal garçonete, mas só achou atrás do balcão o chapeiro careca e barrigudo e a sua filha igualmente gorda e cheia de espinhas. Voltou ao lugar original concluindo que garçonetes gostosas como as de filme americano não deviam ser encontradas facilmente em lanchonetes de cidades do interior.
Passou os olhos pelos poucos clientes que estavam ali àquela hora da tarde. Todos parecidos com as mesmas pessoas que se via nas ruas, nos carros, nas lojas. Todos com a mesma mentalidade. Todos, exceto.... Seus olhar recaiu sobre uma garota numa mesa ao fundo do estabelecimento. Ela estava sentada com as costas apoiadas na parede e os pés em cima da outra cadeira. De costas, só era possível ver seus cabelos ondulados, um tantinho bagunçados, caindo sobre os ombros. Intrigado, deixou sua mesa e foi sentar-se em uma de onde poderia observá-la. Ela apoiava no joelho um grosso livro no qual parecia mergulhada, usava também fones de ouvido e brincava sem olhar com o canudinho dentro do copo que tinha só um restinho de suco. As mexas de seu cabelo caíam sobre o rosto. Pendurada na cadeira, uma mochila, entreaberta. Em cima da mesa, além do copo de suco vazio, um papel de chocolate, algumas folhas de caderno, um lápis e um celular bastante judiado, provavelmente por diversas quedas. Num gesto despreocupado ela puxou o cabelo que lhe caía sobre os olhos e ele pôde então observar melhor seu rosto. Tinha a testa alta e sobrancelhas grossas. Os olhos que pareciam grandes se amiudavam, como num esforço para ler. O nariz terminava arredondado, um tantinho grosso, e os lábios rosados se destacavam na pele branca como leite e cheia de pintinhas. Ela parecia deslocada do lugar e indiferente a tudo que a cercava. Ele não saberia dizer quanto tempo ficou observando-a ali.
Seu celular vibrou em cima da mesa e ela como que desperta de um transe o apanhou e verificou o número. Com desânimo estampado no rosto ela retirou um dos fones do ouvido e atendeu a chamada. Ouvia muito e respondia com monossílabos. Terminada a chamada, largou o celular sobre a mesa, recolocou o fone no ouvido. Mexeu em alguns botões do MP3, provavelmente aumentando seu volume. (que bom era sair do Justin que tocava no lugar pra ouvir Beatles!) Recostou-se na cadeira e fechou os olhos, sentindo cada frase. "Living is easy with eyes closed..." Abriu os olhos. E deparou-se surpresa com um garoto fitando-a fixamente. Sustentando o olhar ela reparou que ele usava também fones de ouvido e parecia estranhamente deslocado do lugar e indiferente a tudo que o cercava... a não ser ela.
Sorriu. Sorriram.
Ele pensou em levantar, dizer alguma coisa, mas as pernas pesaram. Ela juntou suas coisas, foi até o caixa, pagou sua conta, e foi embora caminhando.
Ele, novamente sozinho e devastado, arumou os fones de ouvido e aumentou o volume, recostou-se na cadeira e fechou os olhos, sentindo cada nota da música. Foi desperto porém pela filha do chapeiro, gorda e espinhenta, que lhe entrgou um papelzinho. "Aquela menina estranha deixou aí pra você." Ele atordoado, leu as palavras naquela letra espremidinha a lápis: "strawberryfieldsforever@hotmail.com "

terça-feira, 17 de julho de 2007

Trânsito na Marginal

O barulho de buzinas e motores tomavam conta da marginal parada, debaixo de chuva. Eu voltava meio despedaçada: desde o da minha vó evitava velórios, mas não poderia deixar de estar lá lhe dando força naquele momento. Ele dirigia calado e parecia perturbado - mas mesmo assim fazia questão de ir dirigindo.
Bruscamente, como que jogando tudo pro alto, cortou dois carros e virou na primeira esquina, derrapando ao parar o carro. Não posso mais com isso! Debruçou-se sobre a direção com as mãos tapando os ouvidos e as lágrimas oprimidas por toda tarde finalmente rolaram. A dor da perda. Apoiei a mão em sua nuca. Estou aqui! Mesmo despedaçada tentava acalmá-lo. Reafirmei que estaria sempre a seu lado, o ajudaria a reorganizar a vida.Apoiado em meu peito, sua respiração já se normalizava. Disse, secando seus olhos, que quando precisasse de silêncio e calma saberia onde levá-lo. Ele me apertou num abraço. Eu lhe falei de um lugar onde nos sentiríamos no deserto. Sua gratidão me confortou. Partimos em silêncio. E mais uma vez fomos engolidos pelos motores e buzinas da marginal.

terça-feira, 26 de junho de 2007

O Caminho das Pedras (e dos pontos de interrogação)

Dos alunos provenientes de escolas públicas, excetuando-se as técnicas, que fogem à regra geral da decadência, poucos realmente ambicionam chegar a uma universidade "top de linha". A maioria (dos que seguem para o ensino superior) acaba em faculdades privadas onde o estudo é encarado da mesma forma que era nas escolas (onde, por exemplo, alunos são dispensados em pleno horário letivo para pagar contas de professores por simples inexistência das aulas). O que entende-se é que a importância é dada ao diploma, e não ao conhecimento adquirido.
Na contramão, alunos superlotam colégios e cursos pré-vestibulares privados, na luta por uma vaga nas melhores instituições do país. Porém, as tão afamadas universidades públicas se mostram agora um caminho duvidoso pelo qual seguir para aqueles que cresceram sonhando com elas e agora, às vésperas das inscrições dos vestibulares, vêem seus sonhos se pontuarem de dúvidas frente ao panorama que vislumbram.
Ingressar numa instituição publica hoje é, depois de passar por uma concorrência desleal, estar sujeito a enfrentar carências diversas, a ficar por meses sem aulas ou mesmo às previsões de suas voltas. É um preço alto a se pagar por um ensino de excelência.
A situação pela qual passa a USP, "epicentro" para as demais universidades públicas do estado e até do país, nos enche ainda mais de temores quanto ao futuro do ensino superior brasileiro, se até no desmanche do maior centro de ensino público já se chega afalar. Se o que chega à vista da imprensa já assusta, o que não deve se passar lá dentro que não chega aos nossos ouvidos?
Tendo todo um futuro em jogo, muitos acabam optando por faculdades privadas, que além de oferecerem um bom ensino (as boas faculdades, é bom lembrar! ), não são um caminho duvidoso pelo qual seguir. Como smpre na história desse país, sorte de quem pode pagar pelo melhor.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Encanto

Seus pés descalços passeavam pelo grande salão de mármore branco, o tecido do longo e alvo vestido esvoaçava lentamente a seus calcanhares. Os movimentos eram suaves, leves, como se ela estivesse imersa em água: parecia que não possuia peso. Os cabelos, cor de madeira, escorregavam ondulantes pelas costas; às vezes caía-lhe uma mecha sobre o rosto, que ela rearrumava caprichosamente no finíssimo aro de prata que lhe ornava a cabeça.
A pele das faces era pálida tal qual cera. Os traços finos, tão delicados, pareciam que sob um olhar mais forte poderiam se rachar. Os olhos tinham cor de esmeralda, grandes, redondos e profundos, daqueles em que se perde ao fixar. Eram eles que davam um sopro de vida ao rosto. Era de uma beleza tão grande que espantava. Porém era a beleza mais triste que se poderia imaginar. A expressão de tristeza que carregavam seus olhos e sua face, tão tenra ainda, era tão notória que não havia quem não sentisse os olhos úmidos ao fitar-lhe o rosto.

Passava os dias dentro do castelo, andando pelos grandes salões. Por horas sentava-se frente às grandes janelas e tocava sua flauta de prata, diz-se que a flauta transversal mais brilhante e de mais doce som que jamais se ouviu tocar. Os ouvidos até os quais sua música chegava poderiam ficar dias inteiros ouvindo-a, sem jamais se cansar. Quando deixava de lado a flauta, sentava-se ao lado da dourada gaiola onde dormia seu rouxinol, ficava então a ouvir seu canto. Seu amor pelo pássaro era enorme, e nada dava-lhe mais contentação que ouvir-lhe o canto. Então sorria: o mais triste sorriso jamais visto, e nesses momentos era como se todo o mundo prendesse a respiração- o momento ficava suspenso no ar.

Muitos eram aqueles que dariam a vida para ver-lhe o rosto. Aqueles sobre os quais ela pousava o olhar eram inteiramente por ela decifrados; era como se seus olhos vissem tudo que ia no mais fundo das almas humanas. Nenhum porém, por mais que lhe fitasse, conseguia distinguir o que se passava dentro da imensidão verde de seus olhos; perdiam-se neles como num mergulho dentro de um cristal cheio de brilhos.
Às noites ela saía para caminhar pelos jardins. Gostava de sentir nos pés o frescor da terra úmida, o cheiro das plantas, o vento gélido que lhe passava pelos cabelos. Por vezes ficava noites inteiras a observar as estrelas. E nas noites de lua cheia, clareada pela alva luz lunar, ela ficava inteiramente branca. Se pudessem vê-la nesse momento, poucos diriam que era humana; mais parecia um anjo, e teriam a impressão de que a qualquer momento seus pés poderiam deixar o chão...

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Abramos os Olhos

Lendo na Veja de hoje sobre as manifestações estudantis na Venezuela, me sinto perplexa. Depois de tantas experiências que provam o quanto regimes totalitários são um mal para a sociedade, um está tentando se instalar, ali, nosso vizinho, bem debaixo do nosso nariz, em pleno ano de 2007. As atrocidades já assustam, são motoqueiros mascarados a serviço de Chavez agredindo manifestantes, são ameaças de morte que lembram muito o período militar brasileira, história que aqueles que não viveram o período, como eu, pelo menos já ouviram muito falar. Como tenho uma amiga na Venezuela, acabo me sentindo mais interessada em saber o que está acontecendo, e ela, que está prestes a entrar na universidade, conta como todos lá estão com medo de no futuro morar em uma nova Cuba.
Os venezuelanos nos dão uma lição: de que mesmo com todos os prblemas que enfrentamos, e mesmo com toda a palhaçada, impunidade, corrupção (e a lista segue...) que reina no Brasil, vivemos em perfeita liberdade de expressão, numa democracia , e devemos prezar isso como povo que já passou pelo horror de um regime militar. E mesmo assim fazemos protestos infundados, desorganizados e violentos, recebemos tratamento privilegiado e não medimos as consequências dos nossos atos, são extrapolados todos os limites; enquanto eles lutam com extrema organização, sem armas, por sua liberdade de expressão, e ainda assim, têm de conviver com o medo de represálias do governo. Aprendamos com eles a lição, que sabíamos décadas atrás, mas que esquecemos, e abramos os olhos para o que está acontecendo no mundo bem perto de nós. O mundo não pode aceitar mais uma ditadura.

domingo, 15 de abril de 2007

Mãos Masculinas

Grandes, poucas vezes bem-cuidadas. Se têm calos ( de enxada, de caneta, de bolada, de guitarra), se têm pêlos (é do gênero, fazer o quê?), nada tira-lhes a mágica.
A força e o poder que representam podem até assustar, mas sua mágica se revela quando se aproximam de um corpo feminino: então parecem enormes - tão notadamente masculinas - que nos fazem parecer meninas - tão meninas - perto deles. Seja até um filho crescido abraçando a mãe: ele será tão homem que ela se torna uma menina.
Elas são mágicas quando seguram as nossas, mágicas quando se esgueiram em nosso cabelo, mágicas quando se esfregam em nossos braços para espantar o frio, mágicas quando abrem vidros, mágicas quando passeiam distraídas por nosso corpo (e tão mágicas quando se enrolam na cintura!).
Enfim, como parte dessa mágica, revelam ser seus donos verdadeiros garotinhos que cresceram demais quando se rendem aos cuidados das mãos femininas: mãos tão de meninas!- mas tão mulheres...

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Emmeline (parte 1)

Ia andando com dificuldade, os passos afundando na neve, ao longo da ferrovia. Puxou mais para junto de si a gola do casaco. Sua respiração, ofegante pelo esforço, foi abafada certo momento pelo ruído de uma longa locomotiva que se aproximava às suas costas. Os intermináveis vagões passaram ao seu lado, sacolejando. Eram na sua maioria vagões de carga, ou tinham as janelas vedadas com tábuas de modo que no interior a escuridão devia ser total. O trem foi se perdendo ao longe e a mulher, engolindo aquela amarga visão continuou ao longo dos negros trilhos, seguindo a mesma direção da máquina.
Cerca de vinte minutos depois avistou a sua casa e a estação vizinha, onde os inúmeros vagões que ela encontrara estavam agora parados. Na plataforma desenrolava-se um desfile de rostos sem esperança, marcados pelos horrores da guerra e do futuro ainda mais cruel que os esperavam. Ao desembarcar pais e filhos eram separados por soldados sem piedade. Faziam naquela hora uma seleção dos que seriam úteis para o trabalho, que recebiam então uniformes, banhos violentos e tinham as cabeças raspadas.
Sentindo os olhos ligeiramente marejados e as faces ainda quentes da caminhada pela neve, Emmeline reconheceu seu marido entre os soldados que selecionavam os recém-chegados como quem seleciona gado. Seu olhar então encontrou seu filho a pouca distância, observando com interesse e espantosa frieza a macabra cena. Dirigiu-se até ele e encaminhou-o para dentro de casa. Não o queria, ainda tão novo, envolvido naquele horror.
...
Não! Ela gritava, se debatia tentando se livrar dos braços do marido. Não! Não levem meu filho! Não para o banho! Um soldado sem rosto encaminhava seu filho para o odioso lugar. NÃO!!!!!!!
Abriu os olhos e tentou respirar. Lágrimas e suor se misturavam em seu pálido rosto. Passando as mãos trêmulas pelo cabelo olhou o marido que dormia calmamente. Levantou-se, cobriu o filho no quarto ao lado, beijou-lhe a testa e alisou suas louras mechas. Uma criança apenas! Era assim que queria sempre vê-lo, mas se lembrou da expressão fria que o rostinho infantil tomara ao ver o desembarque dos prisioneiros aquela tarde. Se assustava quando via essa expressão tomar conta do menino: desfigurado, não parecia seu filho, ficava como mais um dos soldados sem rosto. Não! Isso não poderia acontecer ao seu menino.
Tendo perdido o sono, caminhou pela pequena casa. Da janela da cozinha olhou o céu, recortado pelos alambrados. As casas iguais, dos funcionários, ficavam lado a lado numa área separada, protegida por grades e cachorros. Sentia-se sufocada! Abriu a janela esperando receber o ar gélido da noite, mas o que invadiu a cozinha foi o enojante cheiro que saia das chaminés. Fechou apressada a janela sentindo ânsias de vômito. Mas aquele maldito cheiro impregnava tudo no lugar.