domingo, 15 de abril de 2007

Mãos Masculinas

Grandes, poucas vezes bem-cuidadas. Se têm calos ( de enxada, de caneta, de bolada, de guitarra), se têm pêlos (é do gênero, fazer o quê?), nada tira-lhes a mágica.
A força e o poder que representam podem até assustar, mas sua mágica se revela quando se aproximam de um corpo feminino: então parecem enormes - tão notadamente masculinas - que nos fazem parecer meninas - tão meninas - perto deles. Seja até um filho crescido abraçando a mãe: ele será tão homem que ela se torna uma menina.
Elas são mágicas quando seguram as nossas, mágicas quando se esgueiram em nosso cabelo, mágicas quando se esfregam em nossos braços para espantar o frio, mágicas quando abrem vidros, mágicas quando passeiam distraídas por nosso corpo (e tão mágicas quando se enrolam na cintura!).
Enfim, como parte dessa mágica, revelam ser seus donos verdadeiros garotinhos que cresceram demais quando se rendem aos cuidados das mãos femininas: mãos tão de meninas!- mas tão mulheres...

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Emmeline (parte 1)

Ia andando com dificuldade, os passos afundando na neve, ao longo da ferrovia. Puxou mais para junto de si a gola do casaco. Sua respiração, ofegante pelo esforço, foi abafada certo momento pelo ruído de uma longa locomotiva que se aproximava às suas costas. Os intermináveis vagões passaram ao seu lado, sacolejando. Eram na sua maioria vagões de carga, ou tinham as janelas vedadas com tábuas de modo que no interior a escuridão devia ser total. O trem foi se perdendo ao longe e a mulher, engolindo aquela amarga visão continuou ao longo dos negros trilhos, seguindo a mesma direção da máquina.
Cerca de vinte minutos depois avistou a sua casa e a estação vizinha, onde os inúmeros vagões que ela encontrara estavam agora parados. Na plataforma desenrolava-se um desfile de rostos sem esperança, marcados pelos horrores da guerra e do futuro ainda mais cruel que os esperavam. Ao desembarcar pais e filhos eram separados por soldados sem piedade. Faziam naquela hora uma seleção dos que seriam úteis para o trabalho, que recebiam então uniformes, banhos violentos e tinham as cabeças raspadas.
Sentindo os olhos ligeiramente marejados e as faces ainda quentes da caminhada pela neve, Emmeline reconheceu seu marido entre os soldados que selecionavam os recém-chegados como quem seleciona gado. Seu olhar então encontrou seu filho a pouca distância, observando com interesse e espantosa frieza a macabra cena. Dirigiu-se até ele e encaminhou-o para dentro de casa. Não o queria, ainda tão novo, envolvido naquele horror.
...
Não! Ela gritava, se debatia tentando se livrar dos braços do marido. Não! Não levem meu filho! Não para o banho! Um soldado sem rosto encaminhava seu filho para o odioso lugar. NÃO!!!!!!!
Abriu os olhos e tentou respirar. Lágrimas e suor se misturavam em seu pálido rosto. Passando as mãos trêmulas pelo cabelo olhou o marido que dormia calmamente. Levantou-se, cobriu o filho no quarto ao lado, beijou-lhe a testa e alisou suas louras mechas. Uma criança apenas! Era assim que queria sempre vê-lo, mas se lembrou da expressão fria que o rostinho infantil tomara ao ver o desembarque dos prisioneiros aquela tarde. Se assustava quando via essa expressão tomar conta do menino: desfigurado, não parecia seu filho, ficava como mais um dos soldados sem rosto. Não! Isso não poderia acontecer ao seu menino.
Tendo perdido o sono, caminhou pela pequena casa. Da janela da cozinha olhou o céu, recortado pelos alambrados. As casas iguais, dos funcionários, ficavam lado a lado numa área separada, protegida por grades e cachorros. Sentia-se sufocada! Abriu a janela esperando receber o ar gélido da noite, mas o que invadiu a cozinha foi o enojante cheiro que saia das chaminés. Fechou apressada a janela sentindo ânsias de vômito. Mas aquele maldito cheiro impregnava tudo no lugar.