sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Múltiplas possibilidades

Os Centros de Produção Digital, a partir de uma estrutura básica, oferecem possibilidades múltiplas de utilização

Matéria da Revista Espaço Aberto, dezembro de 2009
Por Mariana Franco


Os Centros de Produção Digital (CPDigis) surgiram da necessidade de se levar uma estrutura semelhante à do Estúdio Multimeios, do Centro de Computação Eletrônica (CCE), de forma mais simples e acessível às unidades, para que esses recursos pudessem atender a mais pessoas e projetos da Universidade. “Ao invés de o Multimeios ser grande e os docentes interessados terem de ir até ele, muitas vezes não se adaptando bem à estrutura fixa do estúdio, faz-se o contrário: levam-se estúdios pequenos até as unidades, adaptados às necessidades específicas de cada uma delas”, explica Gustavo Faria, responsável pela infraestrutura da CTI.

O projeto, da Coordenadoria de Tecnologia da Informação (CTI) e da Pró-Reitoria de Graduação, aponta para uma evolução do ensino, aliado à tecnologia. Já estão funcionando os centros da Faculdade de Saúde Pública (FSP), do Instituto de Física (IF), do Centro de Informática de São Carlos (Cisc), da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), do Centro de Informática de Ribeirão Preto (Cirp) e da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp). Ao todo, serão vinte unidades da capital e interior que receberão a estrutura em suas instalações até 2010.

O Estúdio Multimeios conta com recursos adequados para gravação de aulas, palestras e experiências, além de recursos para edição e produção de vídeos e áudios pedagógicos. Os CPDigis contam com uma estrutura básica semelhante, composta de sala de videoconferência, estúdio de gravação, sala de aula inteligente e sala de controles, toda pensada para ser operada por apenas um ou dois técnicos. Cada unidade, porém, apresenta adaptações próprias ao projeto, por conta de suas demandas específicas. O tamanho dos estúdios e salas de aula, por exemplo, é variável.

As possibilidades que se abrem a partir desses recursos são variadas. “As aulas podem ser ministradas via videoconferência, gravadas e exibidas posteriormente, em outras aulas ou disponibilizadas na internet. Turmas de diferentes cidades podem assistir à mesma aula simultaneamente, interagindo com o professor da mesma maneira. Experiências diversas, montadas em diferentes laboratórios, podem ser transmitidas ao vivo, ao contrário do que seria possível numa aula presencial”, elenca Faria.

Em 23 de novembro foram inaugurados, simultaneamente e por videoconferência, os CPDigis do Cirp e da Forp. Nesta, a ferramenta será fundamental para o desenvolvimento da Teleodontologia, pois possibilitará o crescimento do Polo de Odontologia Digital Aplicado à Educação (Podae). “Com isso, vai aumentar ainda mais a sofisticação e a qualidade do material didático produzido para apoio ao ensino presencial e a distância”, segundo a diretoria da unidade.

Daniel Marucci, da área de Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) da Faculdade de Saúde Pública, onde, em 17 de setembro, foi inaugurado um centro, lembra que a faculdade tem tradição em ensino a distância, com cursos em postos avançados fora do campus, que serão certamente beneficiados com a inovação.

“O posto avançado de Araraquara já tem estrutura de videoconferência e poderá em breve se interligar com o serviço. As videoconferências aqui têm sido constantes também. Recentemente, por exemplo, um grupo de epidemiologistas da faculdade esteve em conferência com um grupo de Lyon”, explica.

Entre a USP e a França

“Marca muito o imaginário de uma menina comemorar seus 10 anos em Paris!”

Matéria da Revista Espaço Aberto, outubro de 2009
Por Mariana Franco

Lisbeth Rebollo, professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e atual diretora do Museu de Arte Contemporânea (MAC), recebeu, em 21/8, do Ministério da Cultura e Comunicação da França, a nomeação de Cavalheiro das Artes e Letras, em reconhecimento às atividades de divulgação da cultura francesa realizadas no MAC sob sua diretoria, durante o Ano da França no Brasil. Sua relação com o país europeu, entretanto, começou muito antes, ainda na infância.

Lisbeth nasceu na década de 40, em São Paulo, filha de Francisco Rebolo e Lisbeth Krombholz Gonsales. Devido à ocupação do pai, pintor, cresceu entre artistas, num meio bastante ativo do panorama cultural da época. Rebolo fora o fundador do Grupo Santa Helena, associação de artistas, em sua maioria descendentes de imigrantes, que se encontravam no Palacete Santa Helena, importante para a consolidação da arte moderna e o movimento pró-criação do Museu de Arte Moderna (MAM).

“A Primeira Bienal de São Paulo visitei nos ombros do meu pai. Lembro-me de passar no meio de muita gente, vendo algumas obras de arte” recorda sobre o evento ocorrido em 1951, do qual o pai foi um dos representantes e expositores.

Ela e os pais foram os segundos moradores do bairro do Morumbi, habitando uma chácara arrendada. “Nenhum privilégio”, lembra ela, já que “o bairro era só mato e terra”. Na chácara da família hospedaram-se alguns amigos do pai, artistas franceses que passavam por momentos difíceis com a recessão do pós-guerra em seu país. Menina, já apreciava o som da língua.

Entre os anos de 1955 e 1956, graças a um prêmio ganho pelo pai, toda a família passa um ano e meio viajando por diversos países da Europa. Assim, ainda criança, teve o privilégio de conhecer toda a França e parte da Europa. “Foi o primeiro contato direto que tive com a Europa e com a França. Meus 10 anos, comemorei-os em Paris. A festinha foi no hotel em que estávamos hospedados, um hotel pequeno. Estavam lá também o (Mário) Zanini, pintor e decorador brasileiro, e sua mulher. O país ainda se reerguia da guerra, mas era tudo muito impactante. É um fato que marca muito o imaginário de uma menina passar seus 10 anos em Paris!”

Durante a estada na Europa, estudou com professores particulares o necessário para retomar o ginásio (atual ensino fundamental) quando retornasse ao Brasil. “A disciplina obrigatória, porém, era História da Arte”, conta. O pai fazia questão de que ela visitasse museus e monumentos históricos. “Lembro-me de ficar muito impressionada ao entrar na área de exposição da fase negra de Goya, no Museu do Prado, na Espanha. Visitei o Louvre e o túmulo de Napoleão. Imagine o impacto, quando se é pequena, de ver o lugar onde Napoleão estava enterrado!”

Durante a viagem, visitaram o pintor e amigo da família Robert Tatin, que passara uma temporada hospedado na chácara do Morumbi. Para encontrar o amigo, foram à Bretanha (região da França). “Lá as mulheres ainda usavam roupas típicas, com chapeuzinhos altos, de renda branca. Havia também muitos campos de macieiras. As maçãs caíam das árvores e rolavam pela estrada, onde as pegávamos” recorda-se. “Também o sul da França, a Costa Azul, era tudo muito impressionante!”

Lisbeth entrou na USP em 1967, de onde não mais saiu. Graduou-se em bacharelado e licenciatura no curso de Ciências Sociais. Seu mestrado e doutorado desenvolveu na área de Sociologia da Arte. Em 1983 passou a trabalhar no MAC e, posteriormente, em 1987, ingressou na carreira docente, na Escola de Comunicações e Artes (ECA).

A professora retornou à França, entre os anos de 1996 a 2000, passando por lá pequenos períodos para desenvolvimento de sua pesquisa, em cooperação Inter-Universitária, sobre a comunicação desenvolvida no espaço de exposições de arte contemporânea, que originou sua livre-docência. “Voltar ao país com preocupações profissionais, para estudar, ver e aprender com uma cultura tão rica, foi como reatar uma ligação com aquele espaço, que me fora importante na primeira infância” pondera.

A condecoração do Ministério da Cultura da França vem graças a exposições, seminários e palestras com especialistas franceses convidados que ocorreram no MAC. Pelo Ano da França no Brasil, quatro exposições foram montadas: “A França no MAC”, “Arte Frágil”, “Renault, uma aventura moderna” e “O Mundo sem medida”.

“Fico muito feliz com o reconhecimento ao trabalho. Este prêmio não é só meu, mas da USP também, pois reconhece a importância da Universidade com a abertura de espaços em seus museus para essas relações internacionais” finaliza.

Uma vida da academia e das artes


“Nem sei me imaginar fora da USP.”

Matéria da Revista Espaço Aberto, outubro de 2009
Por Mariana Franco

Desde pequena, Lisbeth Rebollo tinha um gosto espacial pela pesquisa. Mexia nos arquivos do pai, lia documentos e jornais de época, organizava-os. Já naquele tempo gostava de lidar com a informação ainda não sistematizada. Ela cresceu num meio privilegiado, tendo desde cedo contato com o mundo artístico. Quando chegou a hora de se decidir por uma graduação, queria a área de humanas, mas não tinha certeza quanto ao curso. Na época ainda não existiam os cursos da Escola de Comunicações e Artes.

Em dúvida entre Letras, Filosofia ou Ciências sociais, recebeu orientação de seu pai para que fosse conversar com Sérgio Milliet, crítico de arte, grande humanista e amigo da família. Lisbeth seguiu as palavras que ele então proferiu: “Se você tem dúvida, faça Ciências Sociais, porque assim terá uma formação bastante ampla no campo humanístico e em seguida poderá se direcionar para o campo com o qual tem maior afinidade”.

Assim, ingressou na USP em 1967, onde graduou-se bacharel e licenciada em Ciências Sociais. Chegando ao mestrado, apresentou a seu professor dois projetos, um sobre arte e outro sobre antropologia. O orientador não teve dúvidas: “Nem vou ler o outro para não ficar com remorso”. Faltavam, na época, pesquisas no campo da arte, e foi para o estudo da Sociologia em artes visuais que ela se direcionou.

Trabalhou, em seu mestrado, sobre a contribuição do pintor Aldo Bonadei para a arte brasileira. Graças à sua ligação com o grupo Santa Helena, Lisbeth conseguiu com a família do pintor, então recentemente falecido, toda uma documentação inédita, sobre a qual pode se debruçar.

Lidando com pintura, descobriu muito material sobre crítica de arte. Tendo desde pequena proximidade com o crítico Sérgio Milliet, quis conhecer melhor seu trabalho. Seu doutorado desenvolveu-se então sobre crítica de arte e em torno de Milliet.

Em 1983 passa a trabalhar no MAC, onde dirige a Divisão Científica, lidando com acervo e pesquisa. Não havia então carreira docente nos museus. Desejosa de dar continuidade à carreira e aos estudos, ingressa em 1987 na carreira docente, na Escola de Comunicações e Artes. Dentro da ECA, no Departamento de Comunicações e Artes, desenvolveu diversas disciplinas e linhas de pesquisa, sempre ligadas à crítica de arte e arte contemporânea. Em 1994 foi nomeada para a diretoria do MAC, função que desempenhou até 1998.

Na sua livre-docência, chegou ao campo das exposições de arte, completando com ela os assuntos já abordados em suas teses de mestrado e doutorado. Entre os anos de 1996 e 2000, desenvolve pesquisa sobre a comunicação no espaço das exposições de arte contemporânea, em parceria com uma comissão universitária francesa. Passa pequenos períodos de tempo em pesquisas na França, como que reatando a ligação com um lugar que já lhe era importante na infância.

Agora se encontra na diretoria do MAC novamente, em gestão até 2010. Quando perguntada sobre os motivos de sua ligação tão longa com a Universidade, diz ser o gosto pelo estudo e pesquisa que a mantém aqui. “Estudei e toda minha carreira profissional se desenvolveu aqui. Nem sei me imaginar fora da USP! Sempre me voltei para a vida universitária e acadêmica. A universidade é o campo por excelência para a construção desse projeto: estudo, pesquisa e divulgação para o próximo do que você consegue colher”, declara.

O perigo na porta de casa

Crianças desaparecem próximas de suas casas – esse pesadelo pode acontecer a qualquer família, mas pode também ser evitado

Matéria da Revista Espaço Aberto, novembro de 2009
Por Mariana Franco

Em revistinhas, cartazes, no verso dos recibos dos pedágios ou das lotéricas, em caixas de leite e e-mails, vemos fotos de crianças desaparecidas. Apesar de nos depararmos com essas evidências diariamente, achamos que esses dramas só vão bater na porta dos outros, não nas nossas. Anualmente 204 mil pessoas desaparecem no Brasil, sendo 40 mil só de crianças e adolescentes. Destes, cerca de 15% não retornam aos seus lares. Mas como, afinal, desaparece uma criança?

“Nem sempre, como se pode imaginar, o desaparecimento de uma criança é feito por um terceiro, um raptor. Muitas crianças saem de casa voluntariamente, em geral por problemas no ambiente familiar”, explica Gilka Gattás, coordenadora do Projeto Caminho de Volta, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

O Caminho de Volta realiza um trabalho de auxílio às famílias de crianças e adolescentes desaparecidos que tenham registro em Boletim de Ocorrência. O auxílio nas buscas é feito a partir de um rastreamento genético (DNA) da família para ser cruzado com as informações genéticas das crianças que são encontradas, para sua identificação. Além disso, trabalha com acompanhamento psicológico das famílias e das crianças, quando encontradas.

Como esclarece Gilka, grande parte dos desaparecimentos de crianças são casos de fuga, cujos motivos são complexos, mas são, em sua maioria, aliados a um convívio familiar conflituoso. É essa a explicação também da grande reincidência de casos de fugas – há registros de crianças que fogem de suas casas e retornam mais de quinze vezes.

Benedito Rodrigues dos Santos, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos do Governo Federal, realizou uma pesquisa com crianças que saíram de casa em São Paulo e em Nova York. Apesar das grandes diferenças entre os países, os resultados encontrados foram semelhantes.

“É o mau convívio familiar que leva essas crianças às ruas. Temos um verdadeiro descompasso entre a composição clássica de família e a realidade das famílias brasileiras. Vemos famílias recombinadas nas quais a distribuição de afeto é causa de conflitos, famílias com problemas de alcoolismo, drogas ou que utilizam a punição corporal como forma de educação cotidiana. Essas relações influenciam negativamente o desenvolvimento de uma criança”, afirma. Linamara Rizzo, médica também integrante do Caminho de Volta, lembra que “criança precisa de educação e escola, mas também de um convívio social e familiar bom para seu desenvolvimento”.

Parte dos desaparecimentos, porém, não se encaixa nos casos de fuga. São casos de real subtração por terceiros, e esses são muito difíceis de serem resolvidos. “São crianças que desapareceram em circunstâncias parecidas e das quais não se tem notícia por longo tempo. Desaparecem brincando na porta de suas casas, no caminho da escola ou da padaria sozinhas, sempre muito próximas de casa”, explica Ivanise Espiridião da Silva, presidente da Associação Brasileira de Busca e Defesa a Crianças Desaparecidas (ABCD/Mães da Sé).

“As crianças que desaparecem são em geral de nível socioeconômico muito baixo, que passam muito tempo sozinhas, tornando-se alvos fáceis. Aquela mãe que tem três, quatro, cinco filhos e é mãe e pai deles, sai cedo para trabalhar e os deixa sozinhos em casa.

Alguém oferece uma carona ou pede uma informação a essas crianças e elas não têm noção do perigo que estão correndo”, continua.

Medidas muito simples de prevenção, como não deixar seus filhos saírem desacompanhados à rua, orientá-los para não conversar e não aceitar nada que estranhos lhes ofereçam, fazê-los memorizar seu nome completo, os nomes dos pais, endereço e telefone de casa, podem ser eficientes.

“Às vezes as dicas e orientações dadas às crianças parecem simples, banais, mas nos casos concretos verificamos que muitas crianças são subtraídas ou colocadas em situações de risco atraídas pela oferta de doces, brinquedos, presentes. A informação para esses casos é realmente essencial”, afirma Ana Cláudia Machado, delegada do Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas do Estado do Paraná.

O registro e busca de um desaparecido deve ser feito imediatamente. Existe uma subnotificação muito grande dos casos de desaparecimento – muitas famílias não chegam às delegacias, e muitas das que chegam não conseguem fazer o Boletim de Ocorrência. “Existe um mito de que se deve esperar algumas horas para fazer o BO, pois a criança pode estar na casa de algum amigo ou só perdida. Essas são horas preciosas que reduzem imensamente a chance de a criança ser encontrada com vida”, afirma a médica Linamara.

“Quando a busca não é imediata, se há espera de 12, 24 ou 48 horas, a probabilidade dessa criança não ser encontrada é muito maior. Se a delegacia se recusar a iniciar uma busca imediata, os pais devem buscar o Conselho Tutelar ou a Corregedoria de Polícia”, complementa Ana Cláudia.

A dor de um filho perdido




A filha de Ivanise, Fabiana Espiridião da Silva, desapareceu há 13 anos, quando tinha 14 anos de idade. Após o episódio, ela fundou a Mães da Sé para auxiliar outras mães que passavam pelo mesmo drama.

“Minha filha sumiu a 120 metros de casa. Nos primeiros meses após o desaparecimento dela eu estava chegando ao limite da loucura. Não dormia, não comia, só tomava café e fumava um cigarro atrás do outro. Passei uma madrugada procurando por ela pela Praça da Sé, na República, no Anhangabaú. Acontece que nós, enquanto mães, não estamos preparadas para perder nossos filhos. Estamos preparadas para que eles nos enterrem.

A dor de ter um filho desaparecido é muito maior do que a dor de ter um filho morto. Se eu descobrisse que minha filha está morta, teria um luto real. Teria saudades dela para sempre, mas teria certeza do que aconteceu. Mas eu não sei, e isso me incomoda o tempo todo. Hoje, minha filha está com 27 anos, e eu fico me perguntando: Como será que ela está? Será que engordou? Emagreceu? Se está viva, por que nesses 13 anos nunca deu notícias? Se morreu, por que o corpo nunca foi encontrado?

Acontece que quanto mais o tempo passa, mais a dor vai ficando só nossa. As outras pessoas vão esquecendo, vão tocando suas vidas, mas só as mães nunca vão esquecer. O sentimento acaba sendo só nosso. É um vazio, como se tivessem arrancado parte de mim, porque arrancaram realmente. É algo que não desejo a ninguém, e por isso é importante a prevenção, por parte dos pais, das escolas e da comunidade.

Nos 13 anos de trabalho da Mães da Sé, 2.122 pessoas foram encontradas. Delas, 196 foram meninas encontradas mortas. Eu digo a essas mães: ‘Pelo menos sua busca terminou, você sabe o que aconteceu’. Mas em cada uma dessas pessoas que nós encontramos, minha Fabiana vive um pouquinho. Essas mães são muito importantes. Nós formamos aqui uma família, unida pelo mesmo sentimento e pelo mesmo objetivo”, relata.

Da saída de casa à prostituição



Pesquisa aponta para ligação entre conflitos familiares e fatores sócioeconômicos com a entrada de adolescentes na exploração sexual

Matéria da Revista Espaço Aberto, novembro de 2009

Por Mariana Franco


A pesquisa Desaparecimento e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no Estado de São Paulo, realizada pelo projeto Caminho de Volta, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), teve por objetivo jogar luz sobre uma questão até então obscura: a relação entre desaparecimento e exploração sexual.

Os resultados da pesquisa foram divulgados durante a I Jornada Internacional Sobre Desaparecimento e Exploração Sexual, acontecida em 6 e 7 de outubro, no Memorial da América Latina. Eles apontam para uma relação próxima, mas nem sempre óbvia, entre os dois acontecimentos e ressaltam a complexidade dos fatores envolvidos.

Na maioria dos casos examinados pela pesquisa, entre Boletins de Ocorrência e dados de uma ONG da Baixada Santista, fica claro que os fatores comuns para o desaparecimento e exploração são os problemas socioeconômicos e conflitos no ambiente familiar pelos quais passam as crianças e adolescentes. Muitas meninas saem de casa devido a problemas intrafamiliares, sejam maus-tratos, violência, abuso sexual, alcoolismo ou brigas constantes e, nas ruas, acabam entrando na prostituição para conseguir se sustentar.

Richard Estes, professor da Universidade da Pensilvânia, EUA, que estuda a exploração sexual na América do Norte, explica: “Uma vez que a criança foge de casa, nas ruas, o que tem a oferecer para sobreviver? Por alguns dias pode vender alguns pertences, se os tiver, mas depois só tem o seu corpo, e por isso a ligação entre desaparecimento de crianças e exploração sexual é tão próxima”.

Renata Coimbra Libório, especialista em Psicologia do Desenvolvimento Humano em Situações de Risco, da Unesp de Presidente Prudente, acompanha na cidade adolescentes inseridas na prostituição. Muitas das meninas têm trajetórias parecidas: conflitos dentro de casa que as levam para as ruas e necessidades materiais que as fazem ver a entrada na prostituição como única alternativa. Elas também não se adaptam nas escolas – as instituições, professores e diretores têm dificuldade para acolhê-las e integrá-las aos outros alunos. É expressiva ainda a ocorrência de problemas psicológicos e/ou psiquiátricos nessas adolescentes, apresentando casos de depressão, mutilação e tentativas de suicídio.
Para Renata, a existência da exploração sexual e prostituição de adolescentes é um problema claramente ligado à exclusão social gerada pela sociedade, que falha no oferecimento de espaço para essas adolescentes que rompem laços com suas famílias.

Além disso, uma questão cultural faz com que em geral exista denúncia dos casos de exploração de crianças, mas não os de adolescentes. Há um falso pensamento de que as adolescentes escolhem essa vida conscientemente e que por isso não precisam de proteção. A pesquisa da FMUSP alerta, inclusive, para esse dado importante: os registros de exploração e abuso sexual em Boletins de Ocorrência têm números muito abaixo da realidade.

Essa faceta do problema, lembra Renata, está intimamente ligada ao machismo presente na nossa sociedade: muitos casos de abuso sexual não são denunciados por causa da mentalidade de inocentar o homem, pois ele estaria seguindo seus “instintos” e “necessidades”, não sendo culpado, então, pelo abuso. Como citou Eduardo Rezende de Melo, presidente da Associação Brasileira dos Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Juventude, “o ser humano está desde sempre relacionado à violência, e isso afeta nossa capacidade de tolerância, o que é inadmissível”.

A inserção em uma realidade de violência explica ainda outros resultados surpreendentes da pesquisa feita na Baixada Santista. As adolescentes envolvidas com a prostituição não se sentiam exploradas, nem entendiam a exploração como violência. Isso porque estão acostumadas a um tipo de sociabilidade que as leva a encarar esse comportamento como natural.

“Essas meninas não compartilham da nossa concepção burguesa ocidental de sexo vinculado ao amor. Para elas o sexo é uma moeda de troca, meio de se obter dinheiro, favor ou proteção, e isso lhes parece comum”, explica Tatiana Landini, professora da Unifesp que participou da pesquisa.

Para a psicóloga Renata Libório, o trabalho para começar a reverter a situação passa por duas linhas. Uma na educação, na qual a escola deveria trabalhar com as crianças, desde o ensino fundamental, condutas auto protetoras e que as incentivassem a compreender a diferença entre uma vida sexual desejada e vida sexual abusiva. A outra é a questão cultural, em que a sociedade teria de aprender a não aceitar esses problemas como naturais, e denunciar o que muitas vezes fica velado.

Renata, entretanto, não deixa de lembrar onde está a raiz do problema. “O problema da exploração sexual de menores está ligado aos problemas socioculturais históricos, e dificilmente teremos uma solução para isso, enquanto estivermos dentro desse sistema econômico de extrema exploração do ser humano”, afirma.

Acordo internacional facilita combate ao tráfico de seres humanos

Cooperação entre FMUSP e Universidade de Granada avança na identificação genética de crianças desaparecidas

Matéria da Revista Espaço Aberto, novembro de 2009
Por Mariana Franco


Ao final do primeiro dia de palestras da I Jornada Internacional Sobre Desaparecimento e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, em 6/10, foi firmado um acordo de colaboração entre a Faculdade de Medicina da USP e a Universidade de Granada, Espanha, para o projeto DNA – Prokids. O projeto pretende lutar contra o tráfico de seres humanos mediante a identificação genética das vítimas, principalmente menores, e seus familiares.

Jose Lorente, do Departamento de Medicina Legal e Forense da Universidade de Granada, explicou que estrangeiros menores de idade que entram ilegalmente na Espanha têm garantidos por lei a permanência no país e o acesso aos direitos básicos como alimentação e educação. Isso faz com que muitas crianças e adolescentes, provenientes principalmente da África, cheguem sozinhas ao país, atravessando o Estreito de Gibraltar, para que depois de completar a maioridade, possam trazer também seus familiares.

Esses menores, sozinhos em um país desconhecido, são presas fáceis para aliciadores que os levam para a exploração sexual ou para a adoção ilegal. Existem ainda redes bem estruturadas de tráfico de seres humanos, e a Espanha é um destino conhecido de imigrantes para exploração sexual – lembramos ainda dos casos de brasileiras impedidas de entrar no país por suspeita de irem para trabalhar na prostituição.

“Lamentavelmente não há muitos casos de cooperação entre a polícia europeia e a de outros países na questão de imigração e desaparecimento de menores nas áreas fronteiriças. Há casos em que localizamos as menores como objeto de exploração sexual, mas é muito difícil identificar em seus países suas famílias. É necessária a utilização de técnicas de DNA ou de fotografia para permitir essa identificação”, relata Lorente.

“O Dna – ProKids é um programa que pretende ter dados de DNA das crianças de todos os países do mundo, principalmente daqueles que estão fora de suas famílias, em abrigos ou nas ruas, para cruzar esses dados com os de famílias que perderam seus filhos. Isto deve ser feito dentro de cada país, com programas como o Caminho de Volta, e dentro de uma cooperação internacional. O acordo que se firmou aqui é para facilitar o trabalho nessa área”, conclui.

Respirar para emagrecer

A percepção corporal e a capacidade de unir o corpo à vida, aos sentimentos e sensações, são imprescindíveis para a perda de peso
Matéria de Revista Espaço Aberto, outubro de 2009
Por Mariana Franco

Sentar-se, tirar os sapatos, sentir os pés no chão e a respiração fluindo. Afinal de contas, em que isso poderia auxiliar no emagrecimento?

Esta pode ser a pergunta a passar pela cabeça de alguém que chega na atividade aberta do Prato. Por cerca de vinte minutos, os participantes ficam sentados em silêncio, olhos fechados, convidados a perceber cada parte de seu corpo e sua respiração. Depois trocam as experiências que tiveram durante a atividade em uma conversa.

“Lembrei-me durante a atividade da sensação que tenho ao dormir, quando a gordura me oprimia, me impedindo de respirar. É uma situação horrível. Por causa disso, sinto necessidade de emagrecer”, relatou Cristina (nome fictício), uma das participantes do grupo.

Marília Salgado, psicóloga do Prato, explica que o trabalho de estímulo à percepção corporal é importante para que se tome consciência das necessidades e alertas que o corpo nos comunica. “As pessoas muitas vezes tratam seus corpos como objetos, como máquinas que devem funcionar. Há um distanciamento entre esse corpo e a vida da pessoa, suas sensações, sentimentos, desejos. As pessoas chegam aqui e nos dão seus corpos como objetos. Elas não querem emagrecer, querem uma receita para que nós as emagreçamos, mas não é o que fazemos”, afirma a psicóloga.

Rosiane (nome fictício), que fora à reunião pela primeira vez, manifestou sua decepção com o tipo da atividade. “A gente vem e quer um resultado já, uma receita do que pode ou não comer. Quando percebe que não é assim, fica triste. Mas é preciso continuar, né?”

“Usualmente percebemos que pessoas obesas fazem coisas demais, têm necessidade de preencher todo seu tempo, e têm assim um maior distanciamento do lado afetivo-emocional de seu próprio corpo. Essas pessoas costumam ser mais racionais e se cobram muito também. Muitas vezes, exatamente por isso, elas sabem de tudo que têm de fazer para emagrecer, mas não conseguem colocar em prática” continua Marília.


Sônia (nome fictício), terapeuta natural e graduada em letras por duas vezes pela USP, relata exatamente essa disparidade entre a teoria e a prática. “Estou participando das atividades há cinco meses. Por enquanto estou aprendendo, mas nem sempre consigo colocar em prática.”

“Para emagrecer é necessária uma mudança de hábitos. Dentro dessa mudança, e necessária também um diferente modo de relacionar-se com o corpo. É um desafio dar-se um tempo para perceber-se, é uma mudança que deve ser gradual. Mas para atingir o emagrecimento, para conseguir por em prática aquilo que se sabe, a pessoa precisa ter a junção de seu corpo à sua vida, seus sentimentos, desejos, sua história”, conclui Marília.

Um longo tratamento

Não há cura para a obesidade – a solução do problema vem com mudanças permanentes no estilo de vida

Matéria da Revista Espaço Aberto, outubro de 2009
Por Mariana Franco

Diabetes. Hipertensão. Triglicéride. Colesterol. Falta de ar. Apneia noturna. Dores no corpo. Fazer exercícios físicos. Manter uma alimentação balanceada. Comer em pequenas quantidades, várias vezes ao dia. Controlar a ansiedade e os impulsos. A maioria das pessoas sabe quais problemas de saúde o excesso de peso traz, e sabe também o que se deve fazer para emagrecer. Por que então é tão difícil conseguir?

O sobrepeso e a obesidade são problemas de saúde pública mundial. A porcentagem de pessoas acima do peso na população mundial está entre 50% e 60%. É uma doença crônica, que se desenvolve ao longo dos anos.

“Nós vivemos atualmente em um ambiente no qual é mais fácil a obesidade acontecer”, afirma Anete Abdo, endocrinologista do Projeto de Atendimento ao Obeso (Prato) do Instituto de Psiquiatria do HC. “Temos horários de trabalho que não favorecem o exercício de uma atividade física, ocupações e lazer mais sedentários, alimentação à base de industrializados. Não há uma cura, para se tratar é necessária uma mudança permanente no estilo de vida.”

O excesso de peso traz diariamente sofrimentos à vida de uma pessoa. Além das questões de saúde, vivemos em uma sociedade em que o padrão estético do indivíduo magro é o valorizado. Privar-se de uma praia por não querer vestir uma roupa de banho ou sentir-se constrangido ao ter de passar na catraca do ônibus são exemplos de problemas constantes, que levam ao desejo de livrar-se a qualquer custo desse tipo de sofrimento. Quantos já não pensaram “se pudesse passar uma tesoura e tirar daqui uns 5kg ou 10kg, ficaria feliz”?

“Devido a esse desejo de livrar-se do problema, sempre surgirão supostos tratamentos miraculosos para resolver tudo de forma rápida e sem sofrimentos. E sempre surgirão pessoas capazes de qualquer coisa para acreditar nesses tratamentos”, afirma Egídio de Lima Dórea, médico do Ambulatório do HU. “Se fórmulas mágicas funcionassem, só teríamos pessoas magras na face da Terra”, brinca Anete.

É importante lembrar que, exatamente por muitas pessoas estarem dispostas a tudo para emagrecer, muitos “tratamentos miraculosos” falsos aparecem, inclusive apresentando-se caluniosamente como tratamentos desenvolvidos pela USP ou por outras universidades de renome. “Não se faz uma cirurgia em qualquer lugar, assim como não se trata obesidade em qualquer lugar”, lembra Dórea, “o lugar certo para tratar da obesidade é no médico”.

A obesidade é causada não por um, mas por diversos fatores. Alimentação, genética, fatores emocionais e hábitos de vida compõem um mosaico específico para cada pessoa, que igualmente deve ser tratado de forma específica. É tentando abranger todos esses fatores, e conscientizar os pacientes de que não há cura possível, mas mudança de hábitos permanente e efetiva, que trabalha o Prato.
O projeto oferece atividades que abordam questões nutricionais, físicas, psicológicas e educacionais, entre atividades abertas a qualquer pessoa e atividades fechadas somente aos participantes. “O paciente precisa conhecer-se para entender o que se passa com ele, e assim saber qual fator da obesidade tem de tratar”, afirma a endocrinologista.

Dentre as atividades fechadas, merece atenção o Grupo Família que, além do paciente, traz para o tratamento alguém de sua família. Em geral as pessoas de uma mesma família compartilham dos mesmos hábitos de vida. Não basta então tratar apenas uma pessoa, toda a família tem de se modificar.

“A obesidade aumenta também por contato social”, avisa Alexandre Menegaz, orientador de Educação Física do Prato. “Quanto mais na condição obesa você se encontra, mais você fará atividades sedentárias e mais suas companhias serão também obesas, desenvolvendo a mesma gama de atividades sedentárias”, explica. Daí a importância da ação com toda a família, e não apenas com um indivíduo.

Nos casos de obesidade infantil, o princípio de tratar a família é ainda mais importante, pois a criança adota os hábitos de vida que os pais lhe proporcionam. Devido a mudanças de hábitos e por questões de segurança, as crianças perderam também o hábito e os espaços para brincar. Só esta seria atividade física suficiente para um pequeno, mas as diversões que eles encontram hoje estão nos videogames, computadores e celulares.

"A criança obesa é alvo fácil para o bullyng, é o bode expiatório. Ela fica mais frágil, tem seu rendimento escolar alterado e acaba afastando-se do convívio social, passando mais tempo em casa, no computador e videogame. Com os pais fora de casa acaba também comendo mais alimentos industrializados”, observa Renata Pinto, orientadora de Educação Física do Prato.

Saiba como a percepção corporal pode auxiliar no emagrecimento clicando aqui.

Serviço:
As atividades são abertas a qualquer pessoa interessada. Não é necessário fazer inscrição. Durante as atividades abertas, são passadas listas de interesse para ingressar nas atividades fechadas do Prato.
Atividades físicas às segundas-feiras, das 10h30 às 11h30, no 4º andar, sala 3.
Reuniões Psicoeducacionais, dias 19/10 e 30/11, das 14h30 às 16h, no Anfiteatro Principal do 1º andar.
Reuniões de Psicodrama, dias 23/10 e 4/12, das 8h15 às 9h45, no 4º andar, sala 4.
Local: Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 785, dentro do complexo do HC.
Fone: (11) 3069-6974
Mais informações: http://www.hcnet.usp.br/ipq/prato/ ou prato.ipq@hcnet.usp.br

Prato – Projeto de Atendimento ao Obeso
Atividades abertas:

Ambulatório do Hospital Universitário

O funcionário ativo, aposentado, seus dependentes e moradores da região do Butantã podem participar do tratamento para obesidade do HU, que conta com palestras educacionais, acompanhamento nutricional e físico. Para participar é necessário passar primeiramente por uma consulta com clínico geral no hospital, para posterior encaminhamento.

Local: av. Prof. Lineu Prestes, 2.565, Cidade Universitária
Fone: (11) 3091-9200

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Escalada de um temor

A situação de alerta da população, causada pela gripe A, excede uma preocupação natural e leva a perigosos exageros

Matéria da Revista Espaço Aberto, 5 de setembro de 2009
Por Mariana Franco


Se extraterrestres invadissem a Terra, provavelmente todas as pessoas e todas as nações estariam unidas no combate a essa invasão. O que estamos vendo não é muito diferente: uma estratégia de guerra para conter o avanço de um novo vírus, o H1N1. Temos hospitais lotados, adiamento de aulas e eventos, corrida para fabricação de vacinas, pessoas usando máscaras no dia a dia, álcool em gel instalado em locais públicos para higienização das mãos.

É da natureza humana o comportamento de preservação da espécie e é esse comportamento que agora estamos presenciando. “Existem estresses, acontecimentos no planeta, que ameaçam a coletividade. Essas ameaças são como fagulhas que desencadeiam reações biológicas de medo psicológico: um medo com fundamento, mas exagerado”, explica Luiz Vicente Figueira de Mello, do Ambulatório de Ansiedade (Amban) do Instituto de Psiquiatria do HC.

Desde abril, quando as primeiras suspeitas e casos foram reportados no México e nos EUA, o mundo vem acompanhando a evolução da pandemia e sua disseminação pelo globo. O estado de alerta foi crescendo exponencialmente à evolução dos casos. No Brasil, os primeiros casos confirmados apareceram no início de maio. O estado de alerta seguido do medo, entretanto, desenvolveu-se nos meados de junho e intensificou-se entre julho e agosto.

As pessoas estão amedrontadas com a gripe A, porém, além do natural. Há abundância de informações desencontradas e alarmantes, somos sugestionados a todo instante pelos meios de comunicação e pelas pessoas à nossa volta. O novo vírus se apresenta, assim, como uma grande ameaça à coletividade, e nós reagimos com um medo desmedido.

“Diante de um inimigo em comum, nos unimos num coletivo. Dentro deste coletivo podem existir comportamentos individuais exagerados, vindos de pessoas portadoras de algum transtorno ou fobia, e esses exageros individuais contribuem para alastrar ainda mais o sentimento de alerta”, continua Mello.

Desde o fim de julho, após anúncio do adiamento das aulas em escolas e universidades públicas e privadas como medida preventiva, a situação tornou-se mais crítica. Os hospitais ficaram ainda mais lotados com pacientes exigindo o teste de detecção do vírus, procedimento que deveria ser utilizado só para casos específicos. Pessoas passaram a usar máscaras no dia a dia, em aeroportos, rodoviárias, transportes públicos. O álcool em gel começou a sumir das prateleiras de farmácias e supermercados – e a aparecer em banheiros, refeitórios, nas bolsas das pessoas. O medicamento Tamiflu, receitado apenas para casos graves e pacientes dos grupos de risco, passou a ser procurado com voracidade, não só a partir de receitas médicas, mas também de vendas no mercado negro e pela internet.

Essa reação de alerta da população, entretanto, já não está na fronteira de uma reação natural. O tratamento dado ao acontecimento, com informações desconexas e alarde inapropriado, desorientou a população e proporcionou uma situação de pânico coletivo. “As pessoas vêm ao hospital desesperadas por causa de uma dor de garganta, achando que basta estar gripado para estar à beira da morte”, afirma Fábio Franco, presidente da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Universitário (CCIH-HU). “Estão confusas, este temor em exagero não é justificado”, completa.

Para Wilson Bueno, professor do curso de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da USP, a mídia tem papel decisivo nessa onda de pânico, induzindo a população a um temor desnecessário.

“A mídia não perde oportunidade de noticiar, e nesse caso dá vazão a qualquer fonte, com informações desconexas. Cada médico ou hospital diz uma coisa, divulga-se cada morte, e a mídia acaba amplificando a importância ou periculosidade do momento vivido, dando a impressão à população de que estamos diante de uma grande ameaça. A mídia ainda se porta irresponsavelmente, divulgando cada morte com grande alarde e fazendo perigosas conjecturas”, afirma Bueno.

Atitudes exageradas e irresponsáveis, como a procura indiscriminada pelo Tamiflu sem receita médica, são realmente perigosas. Como alerta a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, nenhum medicamento deve ser tomado sem prescrição médica, pois todos podem causar efeitos colaterais.

Além disso, com o uso indiscriminado do Tamiflu, é possível que o vírus H1N1 se torne resistente ao remédio, que hoje é o único existente. Os medicamentos encontrados no mercado negro, ainda, têm grande probabilidade de serem falsificados, podendo causar sérios problemas a quem os ingerir.

Bueno acredita ainda que por trás das notícias estejam poderosos interesses do lobby dos laboratórios farmacêuticos, que estão lucrando com a situação. Além do medicamento Tamiflu, que tem sido muito procurado, os antigripais comuns também aumentaram suas vendas, tanto que o governo proibiu temporariamente a veiculação de anúncios publicitários desses medicamentos nas últimas semanas de julho. O mesmo acontecera anos atrás com a epidemia de dengue: os laboratórios lucraram até o momento em que, pela legislação, passou-se a colocar o informe no final dos anúncios de que determinados medicamentos eram contraindicados no caso de suspeita de dengue.

A vitória da memória sobre a amnésia

Após 100 anos de sua morte, a obra de Euclides da Cunha ainda recende atualidade e pioneirismo no estudo do Brasil

Matéria da Revista Espaço Aberto, 6 de agosto de 2009
Por Mariana Franco
Neste 15 de agosto, completam-se 100 anos da morte de Euclides de Cunha. Conhecido por seu livro Os Sertões, que se reporta ao episódio da Guerra de Canudos, seu trabalho é importante não só para a literatura brasileira, mas também para outras áreas do conhecimento como história, sociologia, jornalismo, geografia, geologia e botânica.

Euclides da Cunha é natural de Cantagalo, interior do Rio de Janeiro, nascido em 1866. Com a morte da mãe quando tinha apenas três anos, passa a peregrinar pelas casas de diferentes parentes, entre a Bahia e o Rio de Janeiro. Foi militar e engenheiro de profissão. Por nunca ter se estabilizado em uma só cidade e ocupação, ele mesmo considerava sua profissão a de “engenharia errante”.

Ardorosamente republicano e desde a mocidade chegado às letras, trabalhava como engenheiro, mas também escrevia para O Estado de S. Paulo. Quando surge, em 1897, a insurreição em Canudos, é para lá enviado pelo jornal como correspondente de guerra.

Voltando a São Paulo, após ter presenciado os horrores dos quatro meses finais do combate, ele se encontra extremamente desiludido com a República. Cinco anos depois, traz a público o que seria uma vingança do povo sertanejo massacrado na guerra, uma vingança própria contra a República que tanto o decepcionara e contra o exército, do qual fizera parte: Os Sertões.

O livro, para explicar o episódio da guerra, parte de uma observação de todo o Brasil, em seus aspectos físicos e sociais, até a análise do povoado de Canudos e das idas e vindas da batalha. É, neste ponto, o primeiro estudo que se volta para o interior do Brasil, para as camadas mais baixas da sociedade e, a partir daí, abre uma vereda para todo estudo e literatura posterior.

Monteiro Lobato foi o primeiro escritor a reconhecer sua grandeza, dizendo: “Euclides analisou um drama da crueldade, Canudos, mas existiram muitos outros dramas da crueldade no Brasil e infelizmente não tivemos outros Euclides”.

“Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o completo esgotamento. (…) Caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5.200 soldados.” (trecho do último capítulo de Os Sertões)

A carga científica de Os Sertões, influenciada pelo determinismo da época, se mostra racista e ultrapassada, mas a atualidade da obra se expressa pelo pioneirismo e pela denúncia. “O pensamento das pessoas na época voltava-se só para a Europa. Sem Euclides, não teríamos Gilberto Freyre, Rachel de Queiroz, Mário de Andrade, Graciliano Ramos, João Guimarães Rosa” afirma Nicola de Sousa Costa, professor de história, estudioso de Euclides da Cunha e há 15 anos conferencista do Ciclo de Estudos Euclidianos, de São José do Rio Pardo – SP, cidade onde viveu o autor.

Euclides da Cunha tinha planos de escrever um segundo livro vingador quando voltou do Acre, em 1905, onde chefiara a expedição de reconhecimento do rio Purus e delimitação de fronteiras entre Brasil e Peru. Em pleno ciclo da borracha, ele percebe que o mesmo sertanejo que encontrara antes em Canudos, ali agora trabalha como seringueiro, preso à terra e às dívidas. Definiu-o como “o homem que trabalha para escravizar-se”. O novo livro seria Um Paraíso Perdido, do qual temos apenas alguns textos, dentre os quais o conto “Judas Asvehrus”, que com verdadeira poesia em prosa, retrata a situação de amargura da vida do seringueiro.

Cunha volta da Amazônia com malária e tuberculoso, sem emprego estável, e com problemas conjugais. Torna-se um homem extremamente amargurado, e isso influencia sua vida pessoal e intelectual, acabando por não finalizar seu segundo livro. Mês e meio antes de sua morte, em junho de 1909, expressa sua desilusão com o País em uma carta pessoal ao historiador Oliveira Lima, dizendo: “Ninguém lê, ninguém escreve, ninguém pensa no Brasil”.

“Euclides denunciou um massacre de grandes proporções. Tentaram esconder o que foi feito em Canudos com um incêndio e um açude construído em cima da cidade. Mas não imaginavam que aquele repórter contaria a história. A vitória de Euclides foi uma vitória da memória sobre a amnésia. Hoje ainda temos massacres, carandirus, candelárias, mas só não temos maiores massacres porque houve a denúncia daquele”, finaliza Costa.

Você é o que você lembra!


Matéria da Revista Espaço Aberto, 6 de agosto de 2009
Por Mariana Franco

Certas coisas a gente nunca esquece, é como andar de bicicleta! Mas por que é que nunca nos esquecemos de como andar de bicicleta? A habilidade de andar de bicicleta é adquirida em um processo, um treinamento prévio: primeiro nos apoiamos nas rodinhas, aos poucos as vamos tirando, levamos alguns tombos… É uma habilidade construída a partir de experiências, e, uma vez construída, fica para sempre guardada no nosso cérebro. As habilidades de andar de bicicleta, caminhar, nadar, tocar algum instrumento, nada mais são que informações guardadas em nossa cabeça. Essas informações são as nossas memórias.

As memórias são atividades eletroneurais – sinais e circuitos elétricos – que podem ser de curta ou longa duração, armazenadas no sistema nervoso. O cérebro humano é literalmente construído desde que é concebido. Cada indivíduo passa por uma série de experiências, recebe diferentes informações. A partir dessas informações, constroem-se circuitos – as memórias.

“Todas as nossas memórias estão latentes: arquivadas em nosso cérebro, mas não acessadas. Existem os circuitos eletroneurais, mas em baixa atividade. Quando tratamos de um assunto que envolve certa memória arquivada, aquele circuito em específico aumenta e há um resgate da informação”, explica Gilberto Fernando Xavier, especialista em psicobiologia e professor associado do Instituto de Biociências (IB).

Assim como o ser humano constrói e armazena memórias, ele também atribui significados a elas. São essas memórias e os significados a elas atrelados que definem a personalidade de uma pessoa. “O ser humano interpreta o mundo que vê a partir de suas experiências. É por isso que as pessoas reagem de formas diferentes diante das mesmas situações: interpretamos o mundo a partir das nossas memórias – apenas não nos damos conta de que fazemos isso”, continua Xavier.

“Cultura, também, nada mais é que memória armazenada. Se as diferentes culturas são provenientes de diferentes experiências vividas, é possível ensinar as pessoas a conviverem sem preconceitos com as diferenças, por exemplo – é só questão de formar uma cultura de aceitação.”

Como lembra Maria Inês Nogueira, professora associada do Laboratório de Neurociências do ICB, cada ser humano é único, tem diferentes características e necessidades. Nosso cérebro, a cada minuto se modifica. “É por isso que existem, por exemplo, vários tipos de inteligência”, diz ela. “Alguns podem ser gênios das ciências exatas, outros desenvolver uma grande criatividade com artesanato e outros, ainda, a inteligência de combinar diferentes ingredientes para cozinhar divinamente.”

Problemas do corpo e da alma

As nossas emoções têm relação direta com o funcionamento do nosso corpo. Mas será que podem a esperança e o perdão fazer bem à saúde?

Matéria de Revista Espaço Aberto, 6 de agosto de 2009
Por Mariana Franco

Você já deve ter sentido que fica menos motivado a sair de casa quando está resfriado, com vontade só de ficar deitado no sofá. Já deve ter se sentido mais nervoso que o normal por conta de uma constipação intestinal. Ou então quando está passando por um momento difícil, de ansiedade ou estresse, acaba mais sensível a resfriados, tem alterações de apetite ou começam a estourar feridas de herpes.

Desde a Antiguidade sabe-se, por experiências habituais, que existe relação entre as nossas emoções e o funcionamento do nosso corpo. Já na Grécia antiga, Galeno afirmava serem as mulheres melancólicas (ou que hoje diríamos serem depressivas) mais susceptíveis ao desenvolvimento de tumores.

Por longo tempo deixada de lado pela ciência, essa relação volta a ser estudada há cerca de 30 anos, pelas neurociências. “Nós somos todos neurociências”, afirma o professor Gilberto Fernando Xavier, do Instituto de Biociências (IB). E somos mesmo! Nosso sistema nervoso (composto pelo encéfalo, medula espinhal, nervos e gânglios espalhados pelo corpo) é responsável pelo controle de todas as atividades de funcionamento do nosso corpo, nossas sensações (dor, frio, fome), nossas emoções, nossos pensamentos, memória e imaginação.

Costumamos falar que nosso coração está cheio de emoções e sentimentos, mas eles na verdade estão na nossa cabeça, no nosso sistema nervoso. E o sistema que controla as nossas emoções tem controle também sobre nosso sistema endócrino e imunológico.

“É cientificamente comprovado que o sistema nervoso e o sistema imunológico estão relacionados e interferem um no outro”, afirma João Palermo Neto, professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMZV) e coordenador do Grupo de Pesquisa Temático em Neuroimunomodulação, a ciência que estuda essa relação. Ele explica que as substâncias que levam informações às células nervosas encontram receptores também nas células imunes.

Assim, toda situação de estresse, ansiedade ou depressão tem influência sobre nosso sistema imunológico, baixando nossas defesas e deixando-nos mais sensíveis a infecções. O contrário também ocorre: causar um estado de irritação seria uma maneira de o sistema imunológico avisar nosso corpo que está sofrendo uma infecção. Isso acontece ainda com reações alérgicas. É por isso, por exemplo, que a asma produz estresse e o estresse pode piorar a asma de uma pessoa.

Maria Inês Nogueira, professora do Instituto de Ciências Biomédicas, acredita que se percebermos a relação que as emoções têm com nosso corpo, podemos modificar nosso estilo de vida e comportamentos para melhorar a saúde e os relacionamentos. A professora compara emoção e razão com cavalo e o cavaleiro que tem de controlá-lo.

“A gente limpa nossa casa, nosso carro, nossas roupas, mas limpamos nossa vida? Paramos para refletir se o que estamos fazendo nos faz bem, se é isso mesmo que queremos, se pode ser diferente? Somos todos iguais perante a lei, mas cada um é diferente, tem comportamentos e necessidades diferentes e pode mudar.”

Para Palermo Neto, a relação entre as nossas emoções e o corpo pode abrir caminho ainda para a procura de respostas científicas a indagações até agora sem solução. A prece e a fé poderiam promover a cura? Emoções positivas evitar doenças? O perdão fazer bem à saúde?

Experimentos com pessoas doentes que ingerem medicamentos placebo (sem princípio ativo, feitos só com farinha) mostram que elas têm uma melhora no seu estado apenas por acreditar estarem tomando uma medicação. O professor explica que quando se está doente e não se encontra uma esperança ou saída, a situação de estresse enfrentada é muito maior do que se a esperança for depositada em alguma coisa – no caso, o suposto medicamento.

São semelhantes os casos em que as pessoas se entregam à fé ou acreditam em uma pílula milagrosa de papel: essa crença é um modo de o estresse enfrentado pela pessoa diminuir. O uso do pensamento positivo ou do perdão, da mesma forma, poderiam afetar a realidade física na medida em que contribuem para que o indivíduo sinta-se mais calmo e equilibrado, evitando igualmente situações de ansiedade ou estresse.

Palermo Neto citou ainda um estudo da FMVZ, no qual constatou-se que camundongos saudáveis, que ficavam na mesma gaiola que camundongos doentes, tinham sua imunidade diminuída apenas por essa convivência. Situação semelhante, lembra o professor, à de care givers, pessoas que cuidam de outras, doentes, em tempo integral. Em geral, essas pessoas, tendo de conviver por longos períodos com a doença de alguém próximo, passam por uma situação de estresse prolongada. Estatísticas mostram que é elevado o número de care givers que acabam passando por problemas sérios de saúde e mesmo falecendo pouco depois que as pessoas de quem cuidavam. É por isso importante, ressalta, o acompanhamento psicológico dessas pessoas.

Dignidade para decidir a própria vida


Vergonha e medo das mulheres vítimas de violência doméstica impedem que elas obtenham acesso a coberturas legais para sair dessa situação

Matéria da Revista Espaço Aberto, 2 de julho de 2009
Por Mariana Franco

Apesar de a violência doméstica compreender violência contra qualquer membro de uma família, a maioria dos casos recai sobre mulheres. São fatores históricos da nossa sociedade, ainda baseada no patriarcalismo e na superioridade do homem sobre a mulher, que faz com que este seja o crime encoberto mais praticado no mundo.

Silêncio, vergonha, solidão. Estima-se que mais de metade das mulheres agredidas sofram caladas e não peçam ajuda. Estas mulheres sofrem não apenas de violência, mas de baixa autoestima e da dependência de uma relação cíclica e conturbada. Para que elas consigam romper o ciclo de agressões, não basta a iniciativa de fazer uma denúncia, passando pelo processo demorado, burocrático e muitas vezes vexatório de uma delegacia – é necessário que ela receba o devido acolhimento, proteção e acompanhamento médico e psicológico.

É neste sentido que a Lei Maria da Penha, de agosto de 2006, foi um grande avanço no combate à violência contra a mulher no Brasil. Foi batizada em homenagem à biofarmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que ficou paraplégica em decorrência das agressões que sofria do marido, tornando-se símbolo da luta contra a violência doméstica.

A lei é um avanço no sentido em que define violência doméstica em suas formas não só física e sexual, mas também psicológica, patrimonial e moral; e não como um crime de menor potencial ofensivo, extinguindo a possibilidade de penas alternativas para os agressores, como pagamento de cestas básicas ou multas. Está prevista ainda uma ampla rede de apoio às vítimas de violência doméstica, contando com medidas preventivas de segurança (como impedir que o agressor se aproxime da vítima e seus filhos), apoio social, médico e psicológico.

“É fundamental que se faça a denúncia. A partir dela a vítima tem direito a coberturas legais que podem e devem ser solicitadas. É preciso mostrar a essas mulheres que elas têm alternativas”, ressaltou Wânia Pasinato, doutora em sociologia e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP).

Em 22 de janeiro deste ano, inaugurou-se no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo o primeiro Juizado Especial de Violência Doméstica Contra a Mulher. Ele é destinado a abranger todos os aspectos e colocar em prática a Lei Maria da Penha em sua totalidade, recebendo casos encaminhados pelas Delegacias da Mulher. Engloba competências cíveis e criminais e conta com um corpo de profissionais sensibilizado com a questão da violência doméstica, pronto para dar às vítimas todo o apoio previsto pela lei, ou encaminhá-las a instituições públicas que o possam dar.

O Juizado completou cinco meses de funcionamento com mil processos distribuídos, entre criminais e cautelares. Segundo a juíza responsável, Vanessa Ribeiro Mateus, o número é expressivo. O Juizado ainda está em fase experimental, mas para ela a principal diferença é o tratamento pelo qual as pessoas passam.

“A maioria das mulheres que passam por varas criminais comuns desiste de levar à frente os processos ao longo do julgamento, seja por dependência afetiva, financeira, por causa dos filhos. A diferença aqui é que damos ferramentas para que a vítima possa escolher livremente e com dignidade se quer ou não dar andamento aos processos. Temos casos de mulheres, crianças e casais fazendo terapia, recebendo auxílio psicológico”, esclarece.

Serviço:
Delegacias de Defesa da Mulher na cidade de São Paulo

Centro

1ª Delegacia de Defesa da Mulher
Rua Doutor Bittencourt Rodrigues, 200 - Centro
Fone: (11) 3241-3328

Norte

4ª Delegacia de Defesa da Mulher - Junto ao 28º DP
Av. Itaberaba, 731 – Freguesia do Ó
Fone: (11) 3976-2908

Sul

6ª Delegacia de Defesa da Mulher
Rua Sargento Manoel Barbosa da Silva, 115 – Jd. Anhanguera/Santo Amaro
Fone: (11) 5686-1895

2ª Delegacia de Defesa da Mulher - Junto ao 16º DP
Av. Onze de Julho, 89 - 2º andar - Vila Clementino
Fone: (11) 5084-2579

Leste

5ª Delegacia de Defesa da Mulher
Rua Dr. Corintho Baldoíno Costa, 400 - Vl. Zilda (Próximo ao metrô Carrão)
Fone: (11) 2293-3816

8ª Delegacia de Defesa da Mulher - São Mateus - Junto ao 66° DP
Av. Osvaldo Valle Cordeiro, 190 - Jd. Brasília
Fone: (11) 6742-1701

7ª Delegacia de Defesa da Mulher - Junto ao 32º DP
Rua Sábbado D´Angelo, 64 - Itaquera
Fone: (11) 2071-3488

Oeste

3ª Delegacia de Defesa da Mulher - Junto ao 93º DP
Av. Corifeu de Azevedo Marques, 4.300 - 2º andar - Vila Lageado
Fone: (11) 3768-4664

9ª Delegacia de Defesa da Mulher – Junto ao 87º DP
Av. Menotti Laudisio, 286 (antigo nº 50) - Pirituba
Fone: (11) 3974-8890

Do silêncio do lar

Casos de assédio sexual acontecem em sua maioria dentro de casa. O silêncio funciona como parede para acobertar os crimes.
Matéria da Revista Espaço Aberto, 2 de julho de 2009
por Mariana Franco


A notícia é chocante, a situação, quase irreal. O caso, complexo. Sophie, a menina austríaca, morreu no Rio de Janeiro. A tia, com quem morava, é suspeita de tortura. A menina e o irmão não foram entregues ao pai, o austríaco Sascha Zanger, que brigava pela guarda das crianças, por pesar sobre ele a acusação de abuso sexual contra o filho mais velho.

Este caso, por seu absurdo, pelo fato de as crianças serem europeias, por ter culminado com a morte violenta da vítima, rompeu as barreiras de casa e chegou à grande mídia. Os crimes de violência doméstica e abuso sexual, entretanto, são comuns e ficam, em sua maioria, na obscuridade.

Começando a digitar no buscador do Google as letras da palavra “violência”, as sugestões de resultados que primeiro aparecem são as de violência doméstica. Figura em casos de violência doméstica qualquer tipo de agressão física, psicológica ou mental dentro do ambiente familiar.
No Juizado Especial de Violência Doméstica Contra a Mulher, inaugurado em janeiro, chama a atenção o crescimento de registros de casos de assédio sexual contra crianças e adolescentes. Théo Lerner, coordenador do Programa de Atenção à Violência Sexual (Pavas) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), atenta para o fato de que o que aumenta não são os casos de abuso sexual em geral, mas os casos que chegam a ser denunciados. Lerner conta que em 1996, no início do programa que dá assistência psicológica a vítimas deste tipo de violência, os atendimentos eram de 48 meninas para cada menino. Hoje são atendidos casos de um para um.

O que define abuso sexual não é necessariamente o toque, a violência física ou a falta de consentimento, mas sim a sexualidade vinculada ao desrespeito ao indivíduo e seus limites.
A maioria dos casos de assédio se dá dentro de casa, por pessoas próximas da família. A falta de denúncia por parte do abusado e de pessoas próximas (seja do ambiente familiar ou escolar, por exemplo) é comum por conta de o problema ser tão delicado e vergonhoso diante da sociedade. O silêncio, nestes casos, é como uma parede concreta a acobertar o crime.

Se por muitas vezes as vítimas têm medo ou vergonha de ir à polícia, ações de humanização do atendimento ajudam a combater essa resistência e viabilizar a denúncia. Programas como o Bem-Me-Quer, do Hospital Pérola Byington, desenvolvido pela Secretaria estadual de Segurança Pública, centralizam em um único local o atendimento criminal e médico, evitando que a vítima precise transitar da delegacia para o IML para realizar uma denúncia. Logo em seguida, no mesmo local, a vítima recebe acompanhamento médico, psicológico e social, que pode se estender por mais tempo e também a outros membros da família.

Já o Pavas do HC-USP oferece acompanhamento psicológico gratuito para vítimas de violência sexual. A partir do agendamento, por telefone, de uma triagem, estabelece-se uma agenda de tratamento. “Cada caso é único e requer estratégia de tratamento específica”, explica Théo Lerner.

Serviço:
Hospital Pérola Byington

Local: av. Brig. Luís Antônio, 683, Bela Vista
Fone: (11) 3248-8038
Recebe casos com Boletim de Ocorrência, encaminhados pela delegacia.

Pavas-FMUSP – Programa de Atenção à Violência Sexual
Fone: (11) 3061-7726
Agendamento de triagem e consulta por telefone

A sociedade da euforia e depressão

Maria Rita Kehl

Matéria da Revista Espaço Aberto, 9 de junho de 2009
Por Mariana Franco

O trabalho da psicanalista Maria Rita Kehl, em seu livro O Tempo e o Cão, trata do aumento dos casos de depressão no século 21, diante da aceleração da vida cotidiana.
Nos últimos anos, segundo dados da OMS, a depressão tem aumentado de forma alarmante. Na França, da década de 70 para a década de 80, o número de depressivos aumentou 50%. No Brasil, nos primeiros anos deste século, 17 milhões de pessoas foram diagnosticadas como depressivas.

Partindo desses dados, Maria Rita começou a escrever considerando a hipótese de que a depressão poderia estar se tornando um sintoma social do século 21. Mais que um sofrimento mental que diz respeito a um indivíduo, poderia ser entendida como um problema que se alastra, revelando que algo na sociedade em geral não vai bem.

Segundo a psicanalista, vivemos um período em que, na tentativa de abreviar o tempo com aparatos tecnológicos, acabamos dependentes deles. Ao invés de desfrutar o tempo livre que supostamente teríamos a mais, impomos à nossa vida todo um ritmo acelerado, associado à ideia de que todo tempo (é dinheiro!) deve ser preenchido por alguma atividade.

Esse preenchimento de todo o tempo está aliado a um ritmo de consumo que se aplica à vida. “A nossa é uma sociedade de consumo, porque as pessoas medem o que são e o sentido de sua vida pelo que podem consumir”, afirma ela. Pois assim trabalhamos e nos divertimos, num mesmo afã de produtividade, acabando por atropelar o momento vivido. “Para além do quadro clínico de depressão há um sentimento generalizado de desvalorização da vida, de por que eu vivo, o que vale isso.”

Outra característica de nossa sociedade é a imposição da felicidade: antes de ser um ideal de liberdade e agradabilidade, a felicidade se mostra como uma obrigação opressiva. Devemos estar em conformidade com a empolgação geral, com a imagem que nos passa a mídia e a publicidade de que a vida deve ser de alegria e prazer ininterruptos. “Ora, a felicidade não é uma mercadoria que se possua. Não é uma conquista do ego; ela não para quieta, não nos garante nada. As pessoas sentem-se culpadas por não possuir a tal felicidade, o que as torna ainda mais infelizes.”

Uma pausa para pensar o estresse

O mau humor “normal” do nosso dia a dia corrido pode apontar problemas bem mais complexos, capazes de afetar desempenho profissional e vida pessoal. Procurar apoio é importante.
Publicado na revista Espaço Aberto, 9 Junho 2009
Por Mariana Franco

Você já teve a impressão de que quanto mais aparatos tecnológicos para abreviar o tempo e acelerar resultados você usa, menos tempo livre tem? Ou que depois de uma semana com a agenda muito lotada, a impressão é de que o tempo voou e nada aconteceu?

Essas considerações são da psicanalista Maria Rita Kehl, que, em seu recente livro O Tempo e o Cão, defende que essa aceleração geral da vida - com a globalização, a disseminação da internet, a necessidade de estarmos sempre atualizados com as mais novas tendências - é a causa de um grande mal-estar da sociedade moderna.

Dados da Organização Mundial da Saúde afirmam que 90% da população mundial sofre de estresse. Já pesquisa da Isma (International Stress Management) http://www.ismabrasil.com.br/, associação internacional voltada à pesquisa e desenvolvimento da prevenção e do tratamento do estresse no mundo, afirma que 70% dos trabalhadores brasileiros sofrem desse mal, índice que se assemelha a de países como Estados Unidos e Inglaterra. Ainda 22% dos paulistas acreditam que o estresse é o principal fator de risco para ataques cardíacos, segundo pesquisa da Datafolha, encomendada pela Sociedade Paulista de Cardiologia (Socesp).

O estresse é uma reação do nosso corpo que ocorre em qualquer situação em que uma mudança nos exige adaptação. A velocidade das mudanças hoje, entretanto, parece ser maior do que a nossa capacidade de adaptação.

No trabalho - uma das coisas a que mais dá valor a nossa sociedade - excesso de demanda e responsabilidades, grande competitividade exigida pelas empresas, excesso de autoridade por parte de superiores, ambiente de trabalho desagradável e relacionamento ruim com os colegas são fatores que podem gerar situações de estresse, prejudicando tanto a capacidade profissional de um indivíduo quanto sua vida pessoal.

A médica psiquiatra e mestranda do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC), Telma Ramos Trigo, desenvolve em seu mestrado uma pesquisa sobre a síndrome de Burnout, problema causado por prolongados níveis de estresse no trabalho. “Burnout em inglês é aquela última brasa de um papel que foi queimado, e que está prestes a apagar. É aquilo que deixa de funcionar por pura falta de energia. Metaforicamente, é aquele indivíduo que chegou ao seu limite”, explica a médica sobre o nome da síndrome.

As causas da síndrome ainda estão em estudo, mas em geral são as mesmas do estresse: fatores individuais, excesso de demanda e competitividade, e ambiente de trabalho desagradável. Já os sintomas compreendem esgotamento emocional, distancioamento das relações pessoais no ambiente de trabalho e baixa realização pessoal ou profissional. Esses sintomas, já bastante prejudiciais para o desempenho profissional, podem ainda evoluir para um quadro de depressão ou de ansiedade generalizada.

Cansaço, irritabilidade, impaciência, tensão, falta de atenção e sensação de baixa energia podem ser alertas de que alguma coisa não vai bem. Muitas pessoas, porém, não se preocupam em buscar um tratamento por considerar esses problemas justificáveis. Afinal, com esse trânsito, o trabalho, a política, a crise, como não ficar estressado?

Renério Fraguas Jr., médico coordenador do Grupo Interconsultas do IPq, explica que se entra então em um ciclo de negligências: “A pessoa não detecta como problema os sintomas que apresenta. Se detecta, não procura tratamento; e se procura, em geral não o faz até o fim. Assim o problema nunca é realmente solucionado, sempre havendo recaídas e possibilidade de agravamento, até para casos sérios de depressão”.

O importante, para os médicos, é prevenção do problema. Empresas que mantêm um ambiente de trabalho agradável, oferecem aos seus funcionários apoio psicológico e possibilidade para que se mantenha boas relações entre eles, têm, comprovadamente, melhoria na saúde de seus funcionários e em sua produtividade. Ter hábitos de vida saudáveis e praticar atividades físicas também contribuem positivamente.

Já se a prevenção não é o suficiente, e o problema aparece assim mesmo, a pessoa deve procurar se abrir com um médico. Juliana Breschigliari, do Serviço de Atendimento Psicológico (SAP) do Instituto de Psicologia (IP) da USP, afirma que muitos dos pacientes a quem atende relatam sintomas psicossomáticos, como irritabilidade e falta de atenção, e demonstram temor de que eles afetem seu desempenho profissional. O tratamento desenvolvido então pelos psicólogos e alunos do IP busca as causas individuais que afligem essas pessoas, para a partir daí buscar as soluções.

Serviço
O SAP atende gratuitamente toda a comunidade USP. O telefone é (11) 3091-4172.