sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Da saída de casa à prostituição



Pesquisa aponta para ligação entre conflitos familiares e fatores sócioeconômicos com a entrada de adolescentes na exploração sexual

Matéria da Revista Espaço Aberto, novembro de 2009

Por Mariana Franco


A pesquisa Desaparecimento e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no Estado de São Paulo, realizada pelo projeto Caminho de Volta, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), teve por objetivo jogar luz sobre uma questão até então obscura: a relação entre desaparecimento e exploração sexual.

Os resultados da pesquisa foram divulgados durante a I Jornada Internacional Sobre Desaparecimento e Exploração Sexual, acontecida em 6 e 7 de outubro, no Memorial da América Latina. Eles apontam para uma relação próxima, mas nem sempre óbvia, entre os dois acontecimentos e ressaltam a complexidade dos fatores envolvidos.

Na maioria dos casos examinados pela pesquisa, entre Boletins de Ocorrência e dados de uma ONG da Baixada Santista, fica claro que os fatores comuns para o desaparecimento e exploração são os problemas socioeconômicos e conflitos no ambiente familiar pelos quais passam as crianças e adolescentes. Muitas meninas saem de casa devido a problemas intrafamiliares, sejam maus-tratos, violência, abuso sexual, alcoolismo ou brigas constantes e, nas ruas, acabam entrando na prostituição para conseguir se sustentar.

Richard Estes, professor da Universidade da Pensilvânia, EUA, que estuda a exploração sexual na América do Norte, explica: “Uma vez que a criança foge de casa, nas ruas, o que tem a oferecer para sobreviver? Por alguns dias pode vender alguns pertences, se os tiver, mas depois só tem o seu corpo, e por isso a ligação entre desaparecimento de crianças e exploração sexual é tão próxima”.

Renata Coimbra Libório, especialista em Psicologia do Desenvolvimento Humano em Situações de Risco, da Unesp de Presidente Prudente, acompanha na cidade adolescentes inseridas na prostituição. Muitas das meninas têm trajetórias parecidas: conflitos dentro de casa que as levam para as ruas e necessidades materiais que as fazem ver a entrada na prostituição como única alternativa. Elas também não se adaptam nas escolas – as instituições, professores e diretores têm dificuldade para acolhê-las e integrá-las aos outros alunos. É expressiva ainda a ocorrência de problemas psicológicos e/ou psiquiátricos nessas adolescentes, apresentando casos de depressão, mutilação e tentativas de suicídio.
Para Renata, a existência da exploração sexual e prostituição de adolescentes é um problema claramente ligado à exclusão social gerada pela sociedade, que falha no oferecimento de espaço para essas adolescentes que rompem laços com suas famílias.

Além disso, uma questão cultural faz com que em geral exista denúncia dos casos de exploração de crianças, mas não os de adolescentes. Há um falso pensamento de que as adolescentes escolhem essa vida conscientemente e que por isso não precisam de proteção. A pesquisa da FMUSP alerta, inclusive, para esse dado importante: os registros de exploração e abuso sexual em Boletins de Ocorrência têm números muito abaixo da realidade.

Essa faceta do problema, lembra Renata, está intimamente ligada ao machismo presente na nossa sociedade: muitos casos de abuso sexual não são denunciados por causa da mentalidade de inocentar o homem, pois ele estaria seguindo seus “instintos” e “necessidades”, não sendo culpado, então, pelo abuso. Como citou Eduardo Rezende de Melo, presidente da Associação Brasileira dos Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Juventude, “o ser humano está desde sempre relacionado à violência, e isso afeta nossa capacidade de tolerância, o que é inadmissível”.

A inserção em uma realidade de violência explica ainda outros resultados surpreendentes da pesquisa feita na Baixada Santista. As adolescentes envolvidas com a prostituição não se sentiam exploradas, nem entendiam a exploração como violência. Isso porque estão acostumadas a um tipo de sociabilidade que as leva a encarar esse comportamento como natural.

“Essas meninas não compartilham da nossa concepção burguesa ocidental de sexo vinculado ao amor. Para elas o sexo é uma moeda de troca, meio de se obter dinheiro, favor ou proteção, e isso lhes parece comum”, explica Tatiana Landini, professora da Unifesp que participou da pesquisa.

Para a psicóloga Renata Libório, o trabalho para começar a reverter a situação passa por duas linhas. Uma na educação, na qual a escola deveria trabalhar com as crianças, desde o ensino fundamental, condutas auto protetoras e que as incentivassem a compreender a diferença entre uma vida sexual desejada e vida sexual abusiva. A outra é a questão cultural, em que a sociedade teria de aprender a não aceitar esses problemas como naturais, e denunciar o que muitas vezes fica velado.

Renata, entretanto, não deixa de lembrar onde está a raiz do problema. “O problema da exploração sexual de menores está ligado aos problemas socioculturais históricos, e dificilmente teremos uma solução para isso, enquanto estivermos dentro desse sistema econômico de extrema exploração do ser humano”, afirma.

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