quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Escalada de um temor

A situação de alerta da população, causada pela gripe A, excede uma preocupação natural e leva a perigosos exageros

Matéria da Revista Espaço Aberto, 5 de setembro de 2009
Por Mariana Franco


Se extraterrestres invadissem a Terra, provavelmente todas as pessoas e todas as nações estariam unidas no combate a essa invasão. O que estamos vendo não é muito diferente: uma estratégia de guerra para conter o avanço de um novo vírus, o H1N1. Temos hospitais lotados, adiamento de aulas e eventos, corrida para fabricação de vacinas, pessoas usando máscaras no dia a dia, álcool em gel instalado em locais públicos para higienização das mãos.

É da natureza humana o comportamento de preservação da espécie e é esse comportamento que agora estamos presenciando. “Existem estresses, acontecimentos no planeta, que ameaçam a coletividade. Essas ameaças são como fagulhas que desencadeiam reações biológicas de medo psicológico: um medo com fundamento, mas exagerado”, explica Luiz Vicente Figueira de Mello, do Ambulatório de Ansiedade (Amban) do Instituto de Psiquiatria do HC.

Desde abril, quando as primeiras suspeitas e casos foram reportados no México e nos EUA, o mundo vem acompanhando a evolução da pandemia e sua disseminação pelo globo. O estado de alerta foi crescendo exponencialmente à evolução dos casos. No Brasil, os primeiros casos confirmados apareceram no início de maio. O estado de alerta seguido do medo, entretanto, desenvolveu-se nos meados de junho e intensificou-se entre julho e agosto.

As pessoas estão amedrontadas com a gripe A, porém, além do natural. Há abundância de informações desencontradas e alarmantes, somos sugestionados a todo instante pelos meios de comunicação e pelas pessoas à nossa volta. O novo vírus se apresenta, assim, como uma grande ameaça à coletividade, e nós reagimos com um medo desmedido.

“Diante de um inimigo em comum, nos unimos num coletivo. Dentro deste coletivo podem existir comportamentos individuais exagerados, vindos de pessoas portadoras de algum transtorno ou fobia, e esses exageros individuais contribuem para alastrar ainda mais o sentimento de alerta”, continua Mello.

Desde o fim de julho, após anúncio do adiamento das aulas em escolas e universidades públicas e privadas como medida preventiva, a situação tornou-se mais crítica. Os hospitais ficaram ainda mais lotados com pacientes exigindo o teste de detecção do vírus, procedimento que deveria ser utilizado só para casos específicos. Pessoas passaram a usar máscaras no dia a dia, em aeroportos, rodoviárias, transportes públicos. O álcool em gel começou a sumir das prateleiras de farmácias e supermercados – e a aparecer em banheiros, refeitórios, nas bolsas das pessoas. O medicamento Tamiflu, receitado apenas para casos graves e pacientes dos grupos de risco, passou a ser procurado com voracidade, não só a partir de receitas médicas, mas também de vendas no mercado negro e pela internet.

Essa reação de alerta da população, entretanto, já não está na fronteira de uma reação natural. O tratamento dado ao acontecimento, com informações desconexas e alarde inapropriado, desorientou a população e proporcionou uma situação de pânico coletivo. “As pessoas vêm ao hospital desesperadas por causa de uma dor de garganta, achando que basta estar gripado para estar à beira da morte”, afirma Fábio Franco, presidente da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Universitário (CCIH-HU). “Estão confusas, este temor em exagero não é justificado”, completa.

Para Wilson Bueno, professor do curso de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da USP, a mídia tem papel decisivo nessa onda de pânico, induzindo a população a um temor desnecessário.

“A mídia não perde oportunidade de noticiar, e nesse caso dá vazão a qualquer fonte, com informações desconexas. Cada médico ou hospital diz uma coisa, divulga-se cada morte, e a mídia acaba amplificando a importância ou periculosidade do momento vivido, dando a impressão à população de que estamos diante de uma grande ameaça. A mídia ainda se porta irresponsavelmente, divulgando cada morte com grande alarde e fazendo perigosas conjecturas”, afirma Bueno.

Atitudes exageradas e irresponsáveis, como a procura indiscriminada pelo Tamiflu sem receita médica, são realmente perigosas. Como alerta a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, nenhum medicamento deve ser tomado sem prescrição médica, pois todos podem causar efeitos colaterais.

Além disso, com o uso indiscriminado do Tamiflu, é possível que o vírus H1N1 se torne resistente ao remédio, que hoje é o único existente. Os medicamentos encontrados no mercado negro, ainda, têm grande probabilidade de serem falsificados, podendo causar sérios problemas a quem os ingerir.

Bueno acredita ainda que por trás das notícias estejam poderosos interesses do lobby dos laboratórios farmacêuticos, que estão lucrando com a situação. Além do medicamento Tamiflu, que tem sido muito procurado, os antigripais comuns também aumentaram suas vendas, tanto que o governo proibiu temporariamente a veiculação de anúncios publicitários desses medicamentos nas últimas semanas de julho. O mesmo acontecera anos atrás com a epidemia de dengue: os laboratórios lucraram até o momento em que, pela legislação, passou-se a colocar o informe no final dos anúncios de que determinados medicamentos eram contraindicados no caso de suspeita de dengue.

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