quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Problemas do corpo e da alma

As nossas emoções têm relação direta com o funcionamento do nosso corpo. Mas será que podem a esperança e o perdão fazer bem à saúde?

Matéria de Revista Espaço Aberto, 6 de agosto de 2009
Por Mariana Franco

Você já deve ter sentido que fica menos motivado a sair de casa quando está resfriado, com vontade só de ficar deitado no sofá. Já deve ter se sentido mais nervoso que o normal por conta de uma constipação intestinal. Ou então quando está passando por um momento difícil, de ansiedade ou estresse, acaba mais sensível a resfriados, tem alterações de apetite ou começam a estourar feridas de herpes.

Desde a Antiguidade sabe-se, por experiências habituais, que existe relação entre as nossas emoções e o funcionamento do nosso corpo. Já na Grécia antiga, Galeno afirmava serem as mulheres melancólicas (ou que hoje diríamos serem depressivas) mais susceptíveis ao desenvolvimento de tumores.

Por longo tempo deixada de lado pela ciência, essa relação volta a ser estudada há cerca de 30 anos, pelas neurociências. “Nós somos todos neurociências”, afirma o professor Gilberto Fernando Xavier, do Instituto de Biociências (IB). E somos mesmo! Nosso sistema nervoso (composto pelo encéfalo, medula espinhal, nervos e gânglios espalhados pelo corpo) é responsável pelo controle de todas as atividades de funcionamento do nosso corpo, nossas sensações (dor, frio, fome), nossas emoções, nossos pensamentos, memória e imaginação.

Costumamos falar que nosso coração está cheio de emoções e sentimentos, mas eles na verdade estão na nossa cabeça, no nosso sistema nervoso. E o sistema que controla as nossas emoções tem controle também sobre nosso sistema endócrino e imunológico.

“É cientificamente comprovado que o sistema nervoso e o sistema imunológico estão relacionados e interferem um no outro”, afirma João Palermo Neto, professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMZV) e coordenador do Grupo de Pesquisa Temático em Neuroimunomodulação, a ciência que estuda essa relação. Ele explica que as substâncias que levam informações às células nervosas encontram receptores também nas células imunes.

Assim, toda situação de estresse, ansiedade ou depressão tem influência sobre nosso sistema imunológico, baixando nossas defesas e deixando-nos mais sensíveis a infecções. O contrário também ocorre: causar um estado de irritação seria uma maneira de o sistema imunológico avisar nosso corpo que está sofrendo uma infecção. Isso acontece ainda com reações alérgicas. É por isso, por exemplo, que a asma produz estresse e o estresse pode piorar a asma de uma pessoa.

Maria Inês Nogueira, professora do Instituto de Ciências Biomédicas, acredita que se percebermos a relação que as emoções têm com nosso corpo, podemos modificar nosso estilo de vida e comportamentos para melhorar a saúde e os relacionamentos. A professora compara emoção e razão com cavalo e o cavaleiro que tem de controlá-lo.

“A gente limpa nossa casa, nosso carro, nossas roupas, mas limpamos nossa vida? Paramos para refletir se o que estamos fazendo nos faz bem, se é isso mesmo que queremos, se pode ser diferente? Somos todos iguais perante a lei, mas cada um é diferente, tem comportamentos e necessidades diferentes e pode mudar.”

Para Palermo Neto, a relação entre as nossas emoções e o corpo pode abrir caminho ainda para a procura de respostas científicas a indagações até agora sem solução. A prece e a fé poderiam promover a cura? Emoções positivas evitar doenças? O perdão fazer bem à saúde?

Experimentos com pessoas doentes que ingerem medicamentos placebo (sem princípio ativo, feitos só com farinha) mostram que elas têm uma melhora no seu estado apenas por acreditar estarem tomando uma medicação. O professor explica que quando se está doente e não se encontra uma esperança ou saída, a situação de estresse enfrentada é muito maior do que se a esperança for depositada em alguma coisa – no caso, o suposto medicamento.

São semelhantes os casos em que as pessoas se entregam à fé ou acreditam em uma pílula milagrosa de papel: essa crença é um modo de o estresse enfrentado pela pessoa diminuir. O uso do pensamento positivo ou do perdão, da mesma forma, poderiam afetar a realidade física na medida em que contribuem para que o indivíduo sinta-se mais calmo e equilibrado, evitando igualmente situações de ansiedade ou estresse.

Palermo Neto citou ainda um estudo da FMVZ, no qual constatou-se que camundongos saudáveis, que ficavam na mesma gaiola que camundongos doentes, tinham sua imunidade diminuída apenas por essa convivência. Situação semelhante, lembra o professor, à de care givers, pessoas que cuidam de outras, doentes, em tempo integral. Em geral, essas pessoas, tendo de conviver por longos períodos com a doença de alguém próximo, passam por uma situação de estresse prolongada. Estatísticas mostram que é elevado o número de care givers que acabam passando por problemas sérios de saúde e mesmo falecendo pouco depois que as pessoas de quem cuidavam. É por isso importante, ressalta, o acompanhamento psicológico dessas pessoas.

Nenhum comentário: